A noite passei na salinha pequena que fazia de mesquita da estacao de essence perto de Marsa. Foi tranquilo depois do momento em que entrou um gajo com uma djeleba grossa e castanha a comer pão e que, depois de sujar o chão todo, se deitou a dormir. Teve de vir o segurança acordá-lo aos berros e acordando-me também.
Tinha um pacote de nescafé que abri e ao qual juntei água quente que pedi na cafetaria. Comi um pouco daquela papa de frutos secos que o Slama me dera e de seguida fui buscar a roupa que posto a secar na noite anterior e tentar lavar o resto que faltava. Filtrei a água da casa de banho para dentro das minhas garrafas e segui caminho. Parei em Marsa para comprar comida e encontrei finalmente uma frutaria! Já não comia fruta há imenso tempo, fruto de não encontrar uma mercearia no deserto. Soube bem os pêssegos e bananas que devorei.
Encontrei 3 rapazes que claramente não eram marroquinos a pedir boleia noutra estação de serviço. Atravessei a estrada e fui conversar um.pouco com eles. Eram australianos e vinham à boleia desde a Mauritânia e iam até Paris. Disseram-me que agora a polícia andava a controlar mais o comboio do ferro e que talvez não fosse muito fácil entrar. Vamos ver!
O resto do caminho foi completamente desértico. Fiquei com um escaldão nas pernas porque estava a usar calções. No dia anterior havia sido nos braços e mãos. Fui ouvindo músicas e podcasts.
Houve apenas uma estacao de serviço em Lamsid onde comprei batatas fritas e ovos cozidos, mas não me pareceu um sitio agradável para ficar e ainda era cedo . Estava decidido a fazer os 80km que faltavam até Boujour, totalizando assim 180km num dia, quando 40km depois encontrei uma estacao de serviço que não estava no google maps. Ja estava bastante cansado e decidi-me a ficar por ali. Deixaram-me acampar debaixo de um telheiro e cozinhei massa com caldo knorr e atum.
O cansaço acumulado fez-se sentir na manhã seguinte quando acordei com o corpo extremamente dorido. Percebi que era um sinal do corpo a dizer-me para descansar e tomei a decisão de fazer os restantes 40kms até Boujdour e descansar aí por duas noites nuns bungalows de um parque de campismo. O corpo também pedia fruta e vegetais, a primeira coisa que comprei assim que cheguei à cidade.
Aproveitei esses dias então para descansar, tomar o primeiro banho de chuveiro em 11 dias, estabelecendo um novo recorde - lavei a cabeça algumas vezes e de vez em quando consegui um banho de balde, mas não é a mesma coisa. A roupa também a voltei a lavar e pude finalmente dormir bem.
Quando acordei na minha última noite em Boujdour, senti-me enjoado e por isso voltei a dormir. Levantei-me bem mais tarde do que planeara e ainda tinha de arrumar as coisas na bicicleta e fazer várias compras para o caminho. Para fazer as várias compras precisava de dinheiro e por isso também precisava de ir ao multibanco.
Calhou ser o dia em que quase nenhum dos atms tinha dinheiro. Devo ter percorrido todos os multibancos de Boujdour até conseguir levantar 100 dirhams.
Já passava das 13h quando consegui fazer-me à estrada e isso fez-me ir com mais pressa do que queria. Sentia-me cansado da manhã e cansado por causa do sol e do calor. Talvez por este cansaço ou talvez pela distração, não consegui desviar-me de uma pedra do tamanho de uma bola de futebol e passei sobre ela com a bicicleta. O pneu de trás furou automaticamente e tive de mudar a câmara de ar à beira da estrada, deixando que todas as malas se enchessem de areia e desesperando cada vez que um carro passava, pois isso provocava uma nova onda de vento e areia.
Ainda parou um motociclista francês que me ajudou a colocar o pneu de volta na roda. Quando me fiz à estrada senti que alguma coisa não estava bem e de facto a roda não estava centrada. Ainda parei uma vez durante o caminho e outra já num restaurante a tentar entender se este descentramento fora causado pelo embate ou se colocara mal à roda. Iam-se juntando várias pessoas tentando ajudar mas apenas causando mais pressão. Estive algumas horas a tentar entender o problema e notei que o proprio pneu não tinha enchido uniformemente. Desisti e fui dormir, completamente exausto.
Fiz 70km no dia seguinte até que o pneu se esvaziou outra vez. Fiz o esforço de chegar até a uma bomba de gasolina onde passaria a noite e no dia seguinte tentaria apanhar boleia de um camião para Dakhla, onde arranjara um contacto de uma loja de bicicletas.
Cheguei a Dakhla pelas 9 da manhã numa carrinha de um amigo dos polícias que estavam a fazer uma operação na estrada e a quem pedi ajuda. Resolvemos a questão da roda - era um problema na tensão dos raios que, com o embate, se terão desregulado - e tentei voltar a apanhar boleia tudo para trás para percorrer os kms que fizera de carro.
Ninguém parou à excepção de uma carrinha que me levou 10km para fora de Dakhla. Como Dakhla era uma península, isso não me livrou do vento e dos 15kms talvez mais demorados que fiz até agora, com vento de frente e areia constantemente. Não sentirei saudades desta cidade, foi um período bastante stressante e até que conseguisse sair chegar à estrada principal tive de empurrar a bicicleta durante uma tarde inteira, de vez em quando esticando o dedo e tentando a minha sorte sem ter sorte.
Dormi noutra estação de serviço e dadas as dificuldades dos dias anteriores escolhi deixar o ego de lado e seguir caminho, ao invés de tentar voltar para trás e refazer aquele troço de bicicleta.