O primeiro dia com o Slama foi de descanso. Dormimos até tarde e depois demos um passeio pelo deserto. Mostrou-me os campos que já tinha cultivados e de onde esperava mais tarde colher vegetais e ver crescer um olival. Levou-me a ver a grande cisterna onde armazenava a água das chuvas que aconteciam apenas 4 ou 5 vezes num ano.
Tinha também um grande lago que se enchia através de uma bomba muito barulhenta e que se encontrava a uma altitude superior a todo o terreno, para ser mais fácil de regar, utilizando a força da gravidade.
Vivia numa pequena cabine que construíra e que dependia da luz solar captada pelos vários painéis que haviam ao lado da casa e por baixo dos quais os 3 cães de guarda dormiam.
Dizia-me sentir-se feliz ali, não gostava da confusão da cidade. O seu grande sonho era, também, ir para a Europa trabalhar, mas com o pai doente e sendo ele o filho mais velho, escolheu ficar. Ali ia criar o seu negócio e poder ganhar o dinheiro necessário para enviar os outros irmãos para Espanha!
Tirei-lhe algumas fotos que coloquei no google maps e ajudei-o a inscrever-se no Workaway, para talvez mais tarde receber ali voluntários. Assim, poderia ter mais visibilidade e a visita de alguns outros viajantes que estivessem de passagem.
Com ele aprendi muito sobre a vida no deserto, sobre os animais que existem, sobre os sonhos de quem ali vive.
Estava em contacto com o Daniel Estima, que tem o canal de youtube "Os Andamente", desde o início da minha viagem. Ele e o Gonçalo (canal "De mochila às costas") tiveram a ideia de descer África num carro velho de 500€. Sabíamos que eventualmente nos iríamos encontrar, mas como eu estava ali e eles a chegar a Agadir... porque não?
Como ele me disse que se no dia seguinte fizessem os 400km até onde eu me encontrava, conseguiam chegar ao final do dia, não hesitei em ficar mais uma noite. Para além disso, gostava da companhia do Slama e da sua forma descontraída de levar a vida. Por ele, claro que era na boa ter lá mais dois portugueses naquela noite!
Fiquei o resto do dia a ler e a escrever na companhia de um amigo do Slama enquanto ele foi a Guelmim comprar algumas coisas para essa noite. O Daniel e o Gonçalo chegaram perto do pôr do sol, e fomos buscá-los à estrada na scooter, o que deu umas filmagens incríveis como eles nos mostraram mais tarde.
O Slama e dois amigos puseram umas mantas no chão e começaram uma fogueira e ficámos a noite a conversar através de um aparelho tradutor que os Andamente usam nos vídeos. Depois, um dos amigos foi buscar um saco com carne de dromedário e com a qual se fizeram espetadas - e que deliciosas eram! Comemos isso e depois sardinhas e para sobremesa melancia!
A combinação só ficou ainda mais inusitada quando, no deserto, choveu durante 5 minutos!
Foi uma noite única, poder estar ali com dois portugueses que ainda por cima são pessoas que eu admiro e que vivem as coisas da mesma forma que eu. Partilhámos experiências e histórias, receios relativamente a cada uma das aventuras. Eu tinha muitas perguntas a fazer mas também respondi a imensas. E acima de tudo, rimos muito! Fazia-me falta uma noite assim
Ainda ficámos no famoso carro a conversar até bastante tarde e depois fomos todos dormir na apertada cabine. De manhã escrevemos no capô do carro e gravaram uma pequena entrevista comigo e dissemos adeus. Seguíamos pela mesma estrada mas em velocidades diferentes.
Tinha 100km para fazer até Tantan. A única povoação nessa direção e onde me esperava o Youssef, amigo do Mustapha e que me acolheu em sua casa. O caminho era feito de estradas infinitas onde à volta não havia nada. De vez em quando alguns camelos passeavam perto do asfalto e era possível vislumbrar uns montes ao longe. De resto, apenas vento.
Em Tantan o Youssef deixou-me um apartamento só para mim e não me deixou pagar as 3 sandes que comi ao jantar. Gostei dele e foi pena não ter ficado mais tempo, mas agora estava com motivação para pedalar muito! No dia seguinte, já chegado à costa, fiquei num abrigo de rochas à beira da estrada onde infelizmente não estava tão protegido do vento quanto isso, como se verificou ao acordar.
Anteontem fiz os 140kms que me separavam de Tarfaya onde fiquei em casa de um pescador que, ao me ver com a bicicleta na rua, me convidou a dormir na sua pequena casa. Esta noite dormi na mesquita de uma estação de serviço depois de Laayoune e vou tentar chegar o mais próximo possível de Boujdour, que fica a 180kms! Com o vento pelas costas fica mais fácil!
Estou a sentir-me muito motivado e com vontade de pedalar. É sem dúvida um bom momento este que estou a passar. É desfrutar!
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