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domingo, 21 de abril de 2024

Agadir

    Voltei para casa do Mohammed no deserto de Agafay onde tinha deixado algumas das minhas coisas. Descansei, tomei banho, comi e dormi e no dia seguinte estava pronto a sair cedo, mas fiquei um pouco mais porque ele me convidou para mais um pequeno almoço de ovos e azeitonas.

    Fizemos as despedidas e saí em direção à estrada nacional que ambicionava já ter percorrido, não fossem os contratempos. Estava calor e não estava a ser propriamente fácil. Ainda não estava completamete convencido de que tudo na bicicleta estava bem, e isso normalmente é sinal de que não estava. O que se veio a confirmar quando, ao entrar por um terreno mais acidentado, sentia que o guiador abanava e que com ele abanava o tal novo tubo. Começaram a vir-me os calores e o nervosismo, sabia agora que algo não estava bem e não havia quem me pudesse enganar. Na sombra de umas árvores onde descansava uma fonte, aiinda caí na tentação de voltar a desaparafusar algumas peças e ver se resultava, até que me decidi a percorrer os 200km até Agadir naquelas condições e aí, numa boa loja de bicicletas, avaliar as opções.





O homem de azul depois pediu-me dinheiro.

    Fui percorrendo estradas em linha reta com montanhas à minha esquerda, os Atlas. De vez em quando um vento tornava tudo mais fácil, levando-me a 40km/hora sem pedalar, outras vezes tornava tudo mais complicado. Passei Maijat, M’Zouda e Idouirane, até que cheguei a Imintanoute quando o sol se estava prestes a esconder. Perguntei na “Gendarmarie Royale” se podia acampar no seu parque de estacionamento, havia muito espaço e seria seguro. Chamaram o chefe e este disse-me que ali era interdito mas que podia ficar num hotel de graça, de um amigo dele. Ainda insisti que não era necessário, que podia ficar a acampar ali, mas ele insistiu que para eles era preferível. 



    Gostei de Imintanoute. Daquelas cidades/vilas que mantém a essência marroquina. Passeei pelo souk e comi umas sanduíches que vendiam na rua e fui dormir. Saí cedo e nesse dia esperavam-me longas subidas e muito calor. Tinha cerca de 120km até Agadir e pensei ser mais lógico fazer o máximo possível nesse dia, para que no seguinte fosse mais fácil e pudesse chegar à cidade ainda de manhã cedo.




    Creio que o calor, o cansaço, a dificuldade do terreno e a sede foram tendo o seu impacto em mim e na minha motivação, perturbando a minha capacidade de desfrutar da paisagem que era espetacular. Montanhas castanhas que subitamente deram lugar a montanhas vermelhas, sempre polvilhadas de árvores e arbustos de argão. Subidas intermináveis que me obrigavam a empurrar a bicicleta à mão e alguns pastores e as suas cabras.


    Ao chegar aos 70km estava completamente esgotado e comecei a procurar onde acampar nessa noite. A estrada por onde ia passava por debaixo de um grande viaduto e, mais abaixo, havia uma pequena vila e uma estrada secundária onde avistava alguns possíveis lugares tranquilos. Desci, sabendo que na manhã seguinte isso implicaria uma subida mais, e rapidamente encontrei uma sombra debaixo de uma pequena ponte, muito sossegada. Por ali andava um senhor a pastar o seu burro, e quando eu ia começar a cozinhar pediu-me comida. Convidei-o para comer comigo, cozinhei couscous e ovos mexidos. Ao acabar, e depois de ir buscar o seu burro estendeu a mão e


        - Dá-me dinheiro.

        - Porquê? Convidei-te para comer, se quiseres podes comer mais, podes beber água… e agora pedes-me dinheiro?! Queres mais comida?

        - Não, dá-me dinheiro. Porque é que não dás? Não tens?

        - Não te vou dar dinheiro. Já te disse que se quiseres te dou mais comida, dinheiro não.


    De realçar que não foi agressivo e isto é algo que acontece frequentemente pelo que tenho percebido. É normal pedir dinheiro porque sim. Se te derem, dão. Se não derem, não dão. E fazem-no com estrangeiros mas também com locais, já mo tinham referido na escola enquanto dava aulas.


    Pouco depois do pastor se ir embora pára um carro na estrada e outro homem desce. Disse que trabalhava para o governo e que não me podiam deixar ficar ali porque não era seguro. Não sei como soube que estava ali, mas também não me disse quem lhe contou. Disse-lhe que não tinha outro sítio para onde ir e que estava cansado. Ainda me sugeriu a estação de gasolina, mas era a 14km e não tinha capacidade de fazer essa distância toda, muito menos a subir. Acabou por me convidar para acampar ao lado de sua casa, que era naquela vila ali perto. Seguiu-me no carro e mostrou-me onde acampar, explicou-me que era apenas para a minha segurança. Deu-me água e mostrou-me onde montar a tenda. 




    Acordei cedo sem vontade nenhuma de voltar á estrada, mas fiz o esforço, subi tudo o que havia para subir. Sabia que a seguir seria apenas a descer e cheguei a atingir os 50km/h, travando frequentemente para evitar desastres. Passei por vários campos em que as cabras subiam às árvores para comer as folhas de argão e pelo caminho vi ao longe, parado a olhar para mim, outro cicloturista. Era o Lorenzo, italiano de Turim, que estava a viajar de bicicleta por 3 semanas em Marrocos. Seguimos juntos até Agadir e acompanhou-me até à oficina de bicicletas. Aí acabou por me ajudar a perceber o problema e a arranjar uma solução, conjuntamente com o mecânico que se revelou muito prestável. A peça nova tinha 1mm de diâmetro a menos do que deveria, e era isso que causava a instabilidade. Tivemos de soldá-la para a engrossar até à medida certa.



    Fiquei em Agadir as 3 noites seguintes. Comprei mantimentos e coisas que precisaria, fui à oficina ver da bicicleta e visitei um pouco da cidade. Não descansei tanto quanto queria, mas o que fiz tinha de ser feito para garantir que saía daqui com as coisas organizadas. Até ao Senegal talvez não encontrarei outra loja de bicicletas tão competente, por isso era necessário que tudo saísse daqui bem. 


    Esta noite fiquei num hostel porque a residência onde fiquei nas duas noites anteriores não tinha mais espaço. Aqui, uma das voluntárias é francesa mas a sua família paterna vive no Congo, por isso já tenho contactos lá! 


    Vou acabar de arrumar tudo e seguir viagem!

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