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segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

O 1º dia - O fim de muitas coisas. O início de muitas coisas

 
    Dormi pouco esta noite. Nem me deitei muito tarde, creio ser perto da meia-noite e meia quando fui para a cama, porém pouco consegui dormir. Quando dei por mim, estava a ser acordado pela minha mãe 10 minutos antes do despertador que pusera.


            - Hoje ainda sou eu que te acordo!


Levantei-me ainda que os olhos pesassem, tomei banho, sentámo-nos os 3 juntos à mesa e, apesar de nestes inícios de aventuras nunca ter grande fome, comi uma grande fatia do bolo de chocolate da minha mãe e bebi um café com leite. Tinha um barco para o Montijo às 10h. Por esta altura eram já quase 8h, ainda tinha de arranjar espaço nos alforges para umas outras quantas coisas que entretanto me lembrei que faltavam e, o mais difícil, despedir-me dos meus pais.
É sempre complicado despedirmo-nos de quem mais gostamos e de quem gosta de nós. Na tarde e noite anteriores, amigos de várias fases, lugares e experiências da minha vida apareceram em minha casa para me dizerem adeus. Foi a melhor maneira de passar o último dia em casa, vê-los interessados e a apoiar-me e a conviverem uns com os outros. Expliquei dezenas de vezes o que levava nos alforges, fiz questão que todos soubessem que ia bem preparado e que aquilo que posso e faz sentido planear, planeei. 
    A minha mãe organizou uma oração entre todos os que ficaram até mais à noite, orientada pelo Padre Pedro, nosso amigo. Foi impressionante e comovente ver o poder da fé e o quão é unificadora - não acho importante todos termos fé no mesmo, é sim importante todos termos fé em algo. Da minha parte, com o que sei e vivi até agora, eu tenho fé em mim e de que sou capaz de seguir os meus sonhos. Se sinto com tanta intensidade que é isto que quero fazer, só pode ser o caminho certo.




    Empurrei à mão a bicicleta pela rampa da garagem com a ajuda do meu pai e pouco depois estava já a dobrar a esquina da rua onde moro. Tinha pela frente 16km até ao Cais do Sodré, onde me esperava a Helena, a Joana e a Teresa, colegas e amigas da minha mãe que também se queriam despedir de mim. Até lá, cruzei-me com alguns ciclistas que me sorriram. Também eu o fazia quando, nas minhas voltas por Lisboa, via alguém com uma bicicleta tão carregada. No Cais apareceu também a Agostina, tinha-me prometido que acordaria a tempo e assim o fez!
    Já no barco, um senhor veio-me perguntar que viagem estava a fazer e fomos a travessia toda a conversar. De nome Álvaro, era mais dado às motas, e tinha a sua experiência no asfalto. Desejou-me sorte e senti que foi sincero.



            Logo a seguir, ao sair do barco e à porta da estação do Montijo, vejo uma bicicleta carregadíssima. Só podia ser coincidência! Era do Matteo, um francês de Toulouse que, chegando a Portugal, acabava a sua viagem de quase 1 ano por todos os países da Europa!!! 25.000 km!!! Não estou a gozar quando digo que nem consegui levantar a bicicleta dele. Parecia que levava um armário no alforge de trás! E toda a gente na noite anterior a achar que a minha é que era pesada… Estivemos ainda meia hora à conversa até que chegou a hora de seguirmos os nossos caminhos opostos. 




Uns chegam, outros vão. Onde algo acaba, algo começa.


Fui seguindo pelo caminho que me mandava o Google maps. Queria apenas dar com a Estrada Nacional 4 que iria seguir até Vendas Novas. Ao fim de uns 30km, eram já 14h, comecei a sentir que precisava de descansar e comer qualquer coisa. Entrei no primeiro restaurante que vi à beira da estrada e pedi o menu do dia. Não me lembro como se chamava o prato mas era basicamente uma grelhada mista cortada em pedaços pequenos e misturados e como incluía as entradas, sobremesa e bebida, acho que foi uma boa opção. Ainda assim, senti-me com pouco apetite, tive de me obrigar a comer tudo, acho que é dos nervos…

Depois deu-me um sono gigante e fui para um parque de merendas junto a uma igreja que havia ali a 500m. Acontece que este parque e igreja eram também junto a uma escola, e se quando cheguei parecia vazia e sem ninguém, quando acordei da minha sesta em cima de uma mesa de picnic, tinha 5 crianças agarradas à grade da escola a olhar para mim. Até que uma delas disse


- Oh senhor, acorde lá! Isso é uma mesa, não é uma cama para dormir! - Não se pode dormir numa mesa de picnic que começamos logo a ser chamados de “senhor”…




Fiquei a escrever um bocado e entretanto liguei aos meus pais. Senti que me ia dar jeito a cama de rede que acabei por não trazer, talvez eles ma conseguissem ainda vir trazer antes de anoitecer. Lá combinámos que eu viria para o sítio onde tinha pensado acampar e que eles me encontrariam lá. 

Assim sendo, fui a pedalar os últimos 20 km até Vendas Novas ao som dos Xutos e quase podia sentir que voava. Acho que tinha vento pelas costas! Quando cheguei a Vendas Novas, liguei ao Cesário, amigo do meu primo Henrique, e que me tinha dito que poderia ficar nuns telheiros no recinto da Igreja da Afeiteira. Combinamos encontrar-nos lá e já eu tinha chegado e tirado quase todas as coisas dos meus alforges à procura do repelente de insentos, quando o carro do Cesário parou ao meu lado ao mesmo tempo que estacionavam também os meus pais.

Para primeira noite a acampar está excelente. Tenho uma tomada onde posso carregar o telemóvel e a powerbank, tenho uma casa de banho (sem chuveiro) e o sítio parece relativamente calmo e isolado, à exceção de alguns cães distantes que de vez em quando se ouvem ladrar. 





Dizer adeus outra vez aos meus pais deixou-me bastante em baixo. Também porque a noite é sempre mais solitária e traz-nos todo um mundo de inseguranças e medos que têm mais dificuldade em fazer-se escutar durante o dia. Pela primeira vez desde que a ideia desta viagem surgiu na minha cabeça, tive medo. Um medo parecido ao que senti quando disse adeus aos meus pais antes de apanhar o voo para Bucareste, para o meu Erasmus. Neste momento em que estou a escrever ainda sinto medo. Tenho posto o relato do jogo do Sporting, já que este ano provocam medo aos adversários e não aos adeptos, e tem ajudado. Vou tentar manter-me distraído o resto da noite até ir dormir. Só queria escrever tudo o que se passou hoje.

 Estive a comer bacalhau com natas que os meus pais me trouxeram das sobras de ontem. Já montei a tenda e coloquei o colchão. Não pus o saco-cama ainda porque estou sentado em cima dele neste momento enquanto escrevo. Acho que vou só lavar os dentes e dormir.


Hoje é tudo.

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