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quarta-feira, 26 de junho de 2024

1ª fronteira africana

  Segui então sozinho, sentindo imediatamente o alívio de poder atravessar aquela fronteira sem outras possíveis complicações para além daquelas que já esperava encontrar nesta travessia.


  Cheguei a uma grande fila de carros que esperavam a sua vez para passar os controles da fronteira marroquina e sair do país.


  Algumas pessoas que esperavam fora das suas viaturas indicaram-me que podia passar à frente, visto que vinha numa bicicleta. Fui empurrando a mesma até chegar a um grande portão branco onde um guarda me apontou um guichet para onde me deveria dirigir.


  Cerca de 15 pessoas amontoavam-se junto à portinhola do guichet. Pelos vistos, tinha de entregar aí o meu passaporte para receber o carimbo de saída. Quando os senegaleses que, como eu, ali esperavam me apontaram um montinho de passaportes onde deveria colocar o meu, por momentos duvidei - não sei porquê, tive aquele pequeno receio de que me pudessem enganar. Um receio infundado e derivado dos meus medos e desconhecimentos.


  Fiquei mais tranquilo quando vi outras pessoas a chegar e a fazer exatamente o mesmo que eu fizera. Enquanto esperávamos (e esperámos muito), fui conversando com os senegaleses que me vinham todos cumprimentar e perguntar de onde era. Eram sorridentes e divertidos, haviam emigrado (ilegalmente, dissera-me um ao ouvido) e agora voltavam para as suas famílias após alguns anos.


  Depois de uma hora de espera em pé, recebi de volta o meu passaporte e avancei ao encontro de um polícia com um cão que me revistou rapidamente a bicicleta e as malas. Passei outro controle de passaporte e, em menos de nada, estava fora de Marrocos... mas fora da Mauritânia também.


  Estava na "No Man's land" ou "Terra de Ninguém". Se talvez no passado esta tivesse sido uma zona perigosa, como o sugeriam as velhas placas que podia ver à beira da estrada ("Danger!"), agora a maior parte dos 4km de alcatrão estava em bom estado e nada diferia das centenas de quilómetros de deserto que fizera antes até aí chegar. Mesmo na eventualidade de existirem minas ou bombas por detonar nos terrenos adjacentes, creio que todo o medo e insegurança que se gera em torno desta troço é um pouco exagerado. É só não sair da estrada! Até porque a paisagem é igual a toda a monotonia anterior do caminho.


  Não me cruzei com quase nenhum outro veículo até chegar aos portões azuis do posto de imigração que me daria entrada na Mauritânia. 


      (Tenho usado a aplicação ioverlander não só para encontrar bons lugares para acampar, mas também para ler os relatos de outros viajantes nos controlos fronteiriços e embaixadas, podendo assim orientar-me mais facilmente e evitar alguns esquemas como foi o caso desta vez. Esta aplicação tambem tem sido util para compreender melhor o processo de obtencão de vistos em cada embaixada e o seu preço. Por isso sabia que até à Guiné-Bissau não precisava de me preocupar em conseguir vistos para países mais adiante mas que, por exemplo, em Conakry é melhor obter vistos pelo menos até à Costa do Marfim.)


  De volta à Mauritania, o primeiro passo seria entrar no edifício à esquerda e entregar o passaporte. Mesmo assim, perguntei a um dos polícias que me confirmou onde me devia dirigir e onde devia deixar a bicicleta. Depois, tive de ir a outro edificio mais à frente, onde o polícia me indicou uma cadeira para me sentar enquanto lentamente escrevia os meus dados no computador e 


-Portugal! Cristiano Ronaldo!


  Há alturas em que me agarro a este comentário recorrente para criar um elo de ligação e boa disposição, facilitando qualquer que seja a situação em que me encontre. Porém, outras vezes esta exclamação é tudo o que não quero ouvir. Quando estou cansado e em alguma situação stressante, rogo pragas ao Cristiano Ronaldo porque por sua culpa tenho de fazer um sorriso amarelo e esperar que a pessoa diga e faça todas as expressões e gestos emblemáticos que sabe do CR7 até poder tratar de outros assuntos... 


  Neste caso, entrei na brincadeira e disse que o Ronaldo era meu primo, tentando jogar com a situação e não arranjar entraves. Logo de seguida, chegou um suposto amigo do polícia que me ia ajudar nos próximos passos da imigração e que me pediu o passaporte para me guiar ao próximo edifício onde me devia dirigir - é nestes momentos que ter-me informado anteriormente faz a diferença, porque sabia deste homem, sabia que ele estava nesta rede com o polícia e sabia que no final me pediria dinheiro. Este "fixer", por conhecer o polícia, tinha uma vantagem sobre os outros "fixers" que apareceram nos portões mais à frente: podia ser o primeiro a "oferecer ajuda" aos turistas mais "perdidos".


  Ignorei estas várias pessoas que, à parte disto, também tentavam persuadir-me a trocar dinheiro com eles ou a comprar dos seus cartões SIM e entrei noutro escritório onde registaram os meus dados e itinerário na Mauritânia. Pediram-me o nome do hotel em que ia ficar em Nouhadibou e, falha minha, apercebi-me que podia ter pesquisado um hotel só para ter em mente e evitar desconfianças. Ia ficar em couchsurfing com o Ad, mas nas fronteiras os polícias não gostam muito de ouvir isto. Acabei por dizer que ia ficar em casa de um amigo e dei-lhes o seu instagram, até porque nem o número dele tinha. O polícia continuou desconfiado e achei, por momentos, que ia ser mais difícil sair dali, mas como a quantidade de gente que esperava a sua vez aumentava, lá me deu um papelinho que devia levar a outro edificio onde iria pagar pelo visto. 


  Este edifício era muito limpo, com aspeto novo e parecia estar ainda a ser terminado. Não havia nenhuma indicação nem sinalização que me indicasse que era ali que devia entrar. Uma das salas tinha dois homens sentados à secretária em frente a um computador, ainda voltei atrás para confirmar com outro polícia que era ali onde devia ir de seguida. 


  Esperei que outros dois turistas que contrataram um fixer recebessem os seus vistos. Depois sentei-me em frente a um dos homens que estava ao computador e paguei com 3 notas de 20€ os 55€ do visto. Ainda tinha, na noite anterior, posto de parte 5€ em moedas, mas naquele momento não as encontrei todas e, com a pressão, entreguei o montante referido sabendo já de antemão que, provavelmente


-We dont have change. - claro!

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Até Guerguerat com companhia

  Na primeira manhã depois da dificuldade que foi a península de Dakhla, acordei bem cedo e recolhi a roupa que tinha deixado a secar mas que não secou. Tirei a bicicleta da sala das máquinas onde o rapaz me tinha indicado que seria seguro deixá-la e preparei-me para partir. Apetecia-me um "café au lait", mas disseram que custava quase 3€ e recusei. Não ia gastar num café quase o que gastaria num dia inteiro!

  O café aqui é só um: pacotes Nescafé. Para diminuir os custos, comprei vários pacotinhos e de vez em quando peço água quente e assim não tenho de pagar o triplo do preço.
Fiz 40km até El Argoub onde, aí sim, bebi uma coca cola e pude comprar coisas para comer. Aproveitei e comprei logo atum e massa para mais logo. Tive de comprar umas garrafas de água porque já começava a ser difícil de encontrar água minimamente potável, mas à parte disso sentia-me bem e finalmente a conseguir fazer a bicicletarolar. O vento ajudou-me tanto que eram 16h e já tinha feito 120km até Imlili. Aí, a Gendarmerie disse-me que teria uma estação de serviço a 2km e outra a 40km.

  Sentia-me cheio de energia portanto quis testar-me. Cheguei ainda antes do sol se pôr a essa estação de serviço que era o Caffè Busola. Um restaurante no meio do nada e onde rapidamente vi outra bicicleta com malas encostada à parede.

  A bicicleta pertencia ao Loic, um francês de barbas que ia em direção à Mauritânia para aprender árabe. Convertera-se ao Islão e tinha esta postura que já observei em várias pessoas de que o Islão é a "cura" para tudo, um quase um fascínio e idolatração por Allah - onde todas as conversas iriam eventualmente dar - mas ao mesmo tempo dotados de uma forte capacidade de debater as várias questões fulcrais e de bem argumentar.

  O dono do restaurante deixou-nos dormir na sala de rezas, devia ser algo comum porque não havia mais nada nas redondezas. Cozinhei a minha massa com atum, estava cheio de fome e percebi que o Loic não tinha jantado. Ele não trazia fogão nem tenda, e só depois percebi que ele não vinha de bicicleta desde França, mas que vinha COM a bicicleta desde França entre comboios e autocarros e só começara verdadeiramente a pedalar de Dakhla! Convidei-o para comer comigo, parecia-me algo agora muito mais natural de se fazer depois de o terem feito tantas vezes por mim. Mesmo estando eu cheio de fome, apercebi-me que se calhar as pessoas que partilharam ou que me convidaram para comer também tinham fome suficiente para comer tudo sozinhas, mas fizeram outra escolha. 

  O condutor de um camião dormiu também connosco na sala de rezas. Acordou-nos com o alarme do seu telemóvel - que demorou a acordá-lo a ele - para enfim podermos voltar nós a dormir. Partimos juntos depois de conseguirmos um pouco de internet partilhada pelo dono do restaurante. 

  (Em Marrocos há 3 grandes redes de telecomunicações: Inwi, Orange e Maroc Telecom. Esta última é a unica que funciona bem no deserto e Orange era a que eu tinha...)

  Os primeiros 30kms fizemos a um bom ritmo. A bicicleta do Loic era visivelmente bastante mais fraquinha que a minha, os travões não funcionavam e a corrente ia o tempo todo a roçar numa peça de metal. Por vezes íamos conversando, por vezes ia um mais lá à frente e outro atrás. Debatia-me mentalmente relativamente a continuar viagem com ele. Era bom ter companhia, mas haviam coisas que me soavam estranhas ou que não me davam confiança, não no sentido de me sentir em perigo, mas de antever possíveis problemas ou algum choque de expectativas e personalidade.

  Ele dizia que no caminho até Marrocos, num comboio em Bordéus, perdeu uma mala com 14 mil euros e que dias mais tarde alguém fez um tweet a dizer que encontrou 14 mil euros num comboio, nessa mesma zona. Parecia uma história inventada, mas de facto ouvi-o a falar com amigos ao telemóvel sobre isto, inclusive utilizou o meu whatsapp para enviar mensagens a amigos para procurarem tal pessoa no twitter.

  Apesar de gostar da companhia, o Loic era demasiado diferente e de certa forma desorganizado para a fase de viagem em que eu estava. Não tinha como cozinhar nem onde dormir, nem sabia que era preciso pagar visto para a Mauritania e não estava de todo informado sobre o processo da fronteira e dos desafios. A primeira fronteira africana deixava-me um pouco nervoso e não me estava a agradar ter de conciliar essa fase com outra pessoa que,  para além de ter outro ritmo, me parecia estar mais desorientada. 

  Por várias vezes tentei que nos separassemos, mas ele insistia sempre em vir comigo, em tentar acompanhar-me. Por sorte, a caminho de Guerguerat encontrámos um abrigo à beira da estrada e nao pensámos muito antes de passar aí a noite. As janelas deixavam entrar muito vento e areia, pelo que passámos um bocado divertido a construir um muro de pedras para dormirmos mais descansados. Cozinhámos massa com atum, partilhámos um chocolate que comprara. Quando se fez noite, dormimos.

  Na manhã seguinte,  não me queria demorar.e tinha-lhe dito que ia sair cedo para chegar cedo à fronteira. Ele disse, uma vez mais, que me acompanharia até a Guerguerat e que aí nos separaríamos. Chegados a Guerguerat, insistiu para que tomássemos um café juntos e, depois de utilizar o meu telemovel durante meia hora para ligar a várias pessoas, disse que talvez passaria comigo para a Mauritânia.

  Até aí tentei não ser muito frontal e deixar que ele percebesse que já estava na hora de nos separarmos. Apesar de não ter dito nada, a minha expressão facial algo deve ter indicado, de maneira que,  quando me preparei para voltar à estrada, ele disse que afinal ficaria à espera de um amigo que chegaria nesse ou no próximo dia...

Estou na Mauritânia!

 A pequena câmera que apontava para mim do cimo do monitor, onde o homem de camisa registava alguns dados meus, tirou a foto que vi - mais t...