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quinta-feira, 18 de julho de 2024

Estou na Mauritânia!

 A pequena câmera que apontava para mim do cimo do monitor, onde o homem de camisa registava alguns dados meus, tirou a foto que vi - mais tarde - no visto que fora colado numa das páginas do passaporte.

  Parecia um criminoso louco, com um escaldão na cara, barba por fazer e o cabelo despenteado e sujo.


  Já tinha tudo, apenas faltava voltar ao edifício anterior para tirarem fotocópia do visto e do meu passaporte. 

  Depois, pude passar finalmente a cancela que me separava de oficialmente estar na Mauritânia. Não tinha quaisquer ouguyias, era o preço a pagar por não querer trocar dinheiro ali na fronteira e arriscar ser enganado: a Mauritania tinha trocado de moeda há alguns anos, reduziram um "0" e muitos comerciantes e táxistas por hábito e outros por malandragem continuavam a dizer os valores na moeda antiga, esperando ou não que algum turista desatento e desinformado lhes pagasse 10x mais do que o preço normal. Por isso, queria ir a uma casa de cambio e poder fazer as coisas com calma.


 Água tinha, e tinha também algumas bolachas que sobraram daquelas que comprei em Guerguerat nas bombas de gasolina com os ultimos dirhams que me restavam.


  Estava a 40kms de Nouhadibou e a paisagem continuava igual. Deserto, dunas, mas mais calor. No primeiro checkpoint, os polícias pediram-me uma fotocópia do passaporte, mas não tinha nenhuma. Já tinha sido avisado por outro português que fora até Dakar de mota que me daria muito jeito ter pelo menos umas 15 ou 20 fotocópias ou "fiches", como lhe chamavam os gendarmes.

  No 2º checkpoint, o guarda foi bastante simpático, estivemos um pouco à conversa e contou-me que há uns dias ou semanas passou ali uma chinesa a pé. Ainda me seguiu no instagram e deu-me duas garrafas de água para o caminho.


  Continuei e comecei a ver os primeiros trabalhadores à beira da estrada a cavar e colocar uns longos tubos debaixo da terra. Um pouco antes de passar a gare ferroviária de Nouhadibou, comecei a ouvir ao longe o famoso comboio que carregava minério de ferro e que eu tencionava apanhar, sem saber ainda como nem a logística que implicaria. 

  O comboio era de facto bastante longo, mas talvez por eu ir no sentido contrário pareceu-me menor do que os 3kms que diziam ter.


  Tinha de arranjar maneira de contactar o Ad e também estava extremamente esfomeado. Acrescentando-se o calor, estava com uma dor de cabeça enorme - nestes momentos penso se foi desta que apanhei malária.

  Chegado à cidade, rapidamente entendi o que era a confusão de um centro urbano africano. É como se não houvesse regras, qualquer pessoa pode inverter a marcha, encostar o carro ou fazer atravessar as suas cabras e ovelhas. Vi até, por mais do que uma vez, pessoas a reparar o seu carro no meio da estrada. Era uma confusão!

  Parei num estabelecimento que realizava transações e envio de dinheiro internacionalmentr para ver se era possivel trocar ali alguns dólares. O rapaz ligou a outra pessoa que me propôs um câmbio muito fraco, pelo que recusei e perguntei se ao menos ele me podia fazer hotspot para eu ligar ao Ad através do Instagram.

  Combinámos encontrar-nos num restaurante perto de sua casa. Não percebi se ele trabalhava lá, se o restaursnte era dele ou se ele simplesmente queria ir lá comer. Quando lá cheguei, perguntei por ele e percebi que não, ele não era nenhum empregado nem dono. 

  A empregada de mesa também me deixou ligar ao meu host e indicou-me uma cadeira para eu me sentar. Eles (os empregados) foram almoçar e trouxeram-me também um prato de frango com arroz e uma coca cola e água. Expliquei que não tinha dinheiro e que estava só à espera do tal rapaz, mas disseram não haver problema e que era oferta!


  Quando chegou o Ad, surpreendi-me por ele ser branco. Esperava um negro ou mulato, mas, como me vim a aperceber, o seu pai era mauritano mas a mãe romena de Hunedoara - muito perto de Sibiu, onde fiz Erasmus. Qual a probabilidade?   

  Perguntou-me o que queria comer e voltei a almoçar, desta vez uma especie de strognoff também muito bom. Estava implícito que seria ele a pagar, mas mesmo que não fosse.... eu não tinha qualquer moeda local...


  Eu estava muito sujo, cansado, despenteado e não cortava a barba há bastante tempo. A última vez que tomara banho tinha sido, talvez, há uns 10 dias - entretanto lavara-me algumas vezes nas casas de banho das estações de serviço. Era o deserto! 

 Foi, então, com muita satisfação que tomei banho de chuveiro e desfrutei de todos os confortos que havia no seu apartamento: cozinha, cama, playstation, máquina de lavar a roupa, etc. Era evidente que estava a ser acolhido por alguém que tinha um estilo de vida muito superior ao comum habitante de Nouhadibou.

  Jogámos uns jogos de Fifa e dormi a sesta. Mais tarde saímos para ir jantar a um restaurante chinês. 


(Da China era de onde vinham a maior parte dos imigrantes em Nouhadibou, depois do Senegal. Estavam ali instaladas várias fábricas e empresas de pesca chinesas e turcas, sendo frequente ver supermercados e restaurantes destas duas nacionalidades. A maior parte dos negros que se viam na rua eram senegaleses ou mauritanos descendentes de senegaleses.)


  O restaurante estava quase vazio, tinha apenas dois ou três velhos sentados a uma mesa a fumar. Numa secretária, uma senhora chinesa e os seus dois filhos adolescentes pareciam tratar de algumas contas ou de registos do restaurante. O empregado de mesa do Mali, muito simpático por sinal, trouxe-nos um vasto menu que entreguei ao Ad, para que ele escolhesse aquilo que de que gostava mais.

  Já tínhamos a nossa comida - que estava excelente - quando entrou um grupo de 6 ou 7 homens turcos. Foram para uma das 3 pequenas salas e sentaram-se à volta da mesa redonda que ali havia. Bebiam refrigerantes e fumavam. Cerca de 15 minutos depois chegaram duas mulheres do Sudeste Asiático, vestidas como se fossem sair à noite. Uma indumentária que vibrantemente contrastava com o frequente hijab e simples roupas das mulheres negras que se viam pela cidade. Juntaram-se aos turcos à volta da mesa

   -Qual é a probabilidade de duas tailandesas    serem amigas daqueles homens turcos?

   - Ahahahaha - riu-se o Ad - elas não são suas    amigas! 

  O que foi fácil de verificar quando, a espaços intervalados e à vez, um dos homens se levantava da mesa e saía do restaurante, enquanto uma das mulheres passava de divisão através de uma porta que certamente os faria encontrarem-se.


quarta-feira, 26 de junho de 2024

1ª fronteira africana

  Segui então sozinho, sentindo imediatamente o alívio de poder atravessar aquela fronteira sem outras possíveis complicações para além daquelas que já esperava encontrar nesta travessia.


  Cheguei a uma grande fila de carros que esperavam a sua vez para passar os controles da fronteira marroquina e sair do país.


  Algumas pessoas que esperavam fora das suas viaturas indicaram-me que podia passar à frente, visto que vinha numa bicicleta. Fui empurrando a mesma até chegar a um grande portão branco onde um guarda me apontou um guichet para onde me deveria dirigir.


  Cerca de 15 pessoas amontoavam-se junto à portinhola do guichet. Pelos vistos, tinha de entregar aí o meu passaporte para receber o carimbo de saída. Quando os senegaleses que, como eu, ali esperavam me apontaram um montinho de passaportes onde deveria colocar o meu, por momentos duvidei - não sei porquê, tive aquele pequeno receio de que me pudessem enganar. Um receio infundado e derivado dos meus medos e desconhecimentos.


  Fiquei mais tranquilo quando vi outras pessoas a chegar e a fazer exatamente o mesmo que eu fizera. Enquanto esperávamos (e esperámos muito), fui conversando com os senegaleses que me vinham todos cumprimentar e perguntar de onde era. Eram sorridentes e divertidos, haviam emigrado (ilegalmente, dissera-me um ao ouvido) e agora voltavam para as suas famílias após alguns anos.


  Depois de uma hora de espera em pé, recebi de volta o meu passaporte e avancei ao encontro de um polícia com um cão que me revistou rapidamente a bicicleta e as malas. Passei outro controle de passaporte e, em menos de nada, estava fora de Marrocos... mas fora da Mauritânia também.


  Estava na "No Man's land" ou "Terra de Ninguém". Se talvez no passado esta tivesse sido uma zona perigosa, como o sugeriam as velhas placas que podia ver à beira da estrada ("Danger!"), agora a maior parte dos 4km de alcatrão estava em bom estado e nada diferia das centenas de quilómetros de deserto que fizera antes até aí chegar. Mesmo na eventualidade de existirem minas ou bombas por detonar nos terrenos adjacentes, creio que todo o medo e insegurança que se gera em torno desta troço é um pouco exagerado. É só não sair da estrada! Até porque a paisagem é igual a toda a monotonia anterior do caminho.


  Não me cruzei com quase nenhum outro veículo até chegar aos portões azuis do posto de imigração que me daria entrada na Mauritânia. 


      (Tenho usado a aplicação ioverlander não só para encontrar bons lugares para acampar, mas também para ler os relatos de outros viajantes nos controlos fronteiriços e embaixadas, podendo assim orientar-me mais facilmente e evitar alguns esquemas como foi o caso desta vez. Esta aplicação tambem tem sido util para compreender melhor o processo de obtencão de vistos em cada embaixada e o seu preço. Por isso sabia que até à Guiné-Bissau não precisava de me preocupar em conseguir vistos para países mais adiante mas que, por exemplo, em Conakry é melhor obter vistos pelo menos até à Costa do Marfim.)


  De volta à Mauritania, o primeiro passo seria entrar no edifício à esquerda e entregar o passaporte. Mesmo assim, perguntei a um dos polícias que me confirmou onde me devia dirigir e onde devia deixar a bicicleta. Depois, tive de ir a outro edificio mais à frente, onde o polícia me indicou uma cadeira para me sentar enquanto lentamente escrevia os meus dados no computador e 


-Portugal! Cristiano Ronaldo!


  Há alturas em que me agarro a este comentário recorrente para criar um elo de ligação e boa disposição, facilitando qualquer que seja a situação em que me encontre. Porém, outras vezes esta exclamação é tudo o que não quero ouvir. Quando estou cansado e em alguma situação stressante, rogo pragas ao Cristiano Ronaldo porque por sua culpa tenho de fazer um sorriso amarelo e esperar que a pessoa diga e faça todas as expressões e gestos emblemáticos que sabe do CR7 até poder tratar de outros assuntos... 


  Neste caso, entrei na brincadeira e disse que o Ronaldo era meu primo, tentando jogar com a situação e não arranjar entraves. Logo de seguida, chegou um suposto amigo do polícia que me ia ajudar nos próximos passos da imigração e que me pediu o passaporte para me guiar ao próximo edifício onde me devia dirigir - é nestes momentos que ter-me informado anteriormente faz a diferença, porque sabia deste homem, sabia que ele estava nesta rede com o polícia e sabia que no final me pediria dinheiro. Este "fixer", por conhecer o polícia, tinha uma vantagem sobre os outros "fixers" que apareceram nos portões mais à frente: podia ser o primeiro a "oferecer ajuda" aos turistas mais "perdidos".


  Ignorei estas várias pessoas que, à parte disto, também tentavam persuadir-me a trocar dinheiro com eles ou a comprar dos seus cartões SIM e entrei noutro escritório onde registaram os meus dados e itinerário na Mauritânia. Pediram-me o nome do hotel em que ia ficar em Nouhadibou e, falha minha, apercebi-me que podia ter pesquisado um hotel só para ter em mente e evitar desconfianças. Ia ficar em couchsurfing com o Ad, mas nas fronteiras os polícias não gostam muito de ouvir isto. Acabei por dizer que ia ficar em casa de um amigo e dei-lhes o seu instagram, até porque nem o número dele tinha. O polícia continuou desconfiado e achei, por momentos, que ia ser mais difícil sair dali, mas como a quantidade de gente que esperava a sua vez aumentava, lá me deu um papelinho que devia levar a outro edificio onde iria pagar pelo visto. 


  Este edifício era muito limpo, com aspeto novo e parecia estar ainda a ser terminado. Não havia nenhuma indicação nem sinalização que me indicasse que era ali que devia entrar. Uma das salas tinha dois homens sentados à secretária em frente a um computador, ainda voltei atrás para confirmar com outro polícia que era ali onde devia ir de seguida. 


  Esperei que outros dois turistas que contrataram um fixer recebessem os seus vistos. Depois sentei-me em frente a um dos homens que estava ao computador e paguei com 3 notas de 20€ os 55€ do visto. Ainda tinha, na noite anterior, posto de parte 5€ em moedas, mas naquele momento não as encontrei todas e, com a pressão, entreguei o montante referido sabendo já de antemão que, provavelmente


-We dont have change. - claro!

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Até Guerguerat com companhia

  Na primeira manhã depois da dificuldade que foi a península de Dakhla, acordei bem cedo e recolhi a roupa que tinha deixado a secar mas que não secou. Tirei a bicicleta da sala das máquinas onde o rapaz me tinha indicado que seria seguro deixá-la e preparei-me para partir. Apetecia-me um "café au lait", mas disseram que custava quase 3€ e recusei. Não ia gastar num café quase o que gastaria num dia inteiro!

  O café aqui é só um: pacotes Nescafé. Para diminuir os custos, comprei vários pacotinhos e de vez em quando peço água quente e assim não tenho de pagar o triplo do preço.
Fiz 40km até El Argoub onde, aí sim, bebi uma coca cola e pude comprar coisas para comer. Aproveitei e comprei logo atum e massa para mais logo. Tive de comprar umas garrafas de água porque já começava a ser difícil de encontrar água minimamente potável, mas à parte disso sentia-me bem e finalmente a conseguir fazer a bicicletarolar. O vento ajudou-me tanto que eram 16h e já tinha feito 120km até Imlili. Aí, a Gendarmerie disse-me que teria uma estação de serviço a 2km e outra a 40km.

  Sentia-me cheio de energia portanto quis testar-me. Cheguei ainda antes do sol se pôr a essa estação de serviço que era o Caffè Busola. Um restaurante no meio do nada e onde rapidamente vi outra bicicleta com malas encostada à parede.

  A bicicleta pertencia ao Loic, um francês de barbas que ia em direção à Mauritânia para aprender árabe. Convertera-se ao Islão e tinha esta postura que já observei em várias pessoas de que o Islão é a "cura" para tudo, um quase um fascínio e idolatração por Allah - onde todas as conversas iriam eventualmente dar - mas ao mesmo tempo dotados de uma forte capacidade de debater as várias questões fulcrais e de bem argumentar.

  O dono do restaurante deixou-nos dormir na sala de rezas, devia ser algo comum porque não havia mais nada nas redondezas. Cozinhei a minha massa com atum, estava cheio de fome e percebi que o Loic não tinha jantado. Ele não trazia fogão nem tenda, e só depois percebi que ele não vinha de bicicleta desde França, mas que vinha COM a bicicleta desde França entre comboios e autocarros e só começara verdadeiramente a pedalar de Dakhla! Convidei-o para comer comigo, parecia-me algo agora muito mais natural de se fazer depois de o terem feito tantas vezes por mim. Mesmo estando eu cheio de fome, apercebi-me que se calhar as pessoas que partilharam ou que me convidaram para comer também tinham fome suficiente para comer tudo sozinhas, mas fizeram outra escolha. 

  O condutor de um camião dormiu também connosco na sala de rezas. Acordou-nos com o alarme do seu telemóvel - que demorou a acordá-lo a ele - para enfim podermos voltar nós a dormir. Partimos juntos depois de conseguirmos um pouco de internet partilhada pelo dono do restaurante. 

  (Em Marrocos há 3 grandes redes de telecomunicações: Inwi, Orange e Maroc Telecom. Esta última é a unica que funciona bem no deserto e Orange era a que eu tinha...)

  Os primeiros 30kms fizemos a um bom ritmo. A bicicleta do Loic era visivelmente bastante mais fraquinha que a minha, os travões não funcionavam e a corrente ia o tempo todo a roçar numa peça de metal. Por vezes íamos conversando, por vezes ia um mais lá à frente e outro atrás. Debatia-me mentalmente relativamente a continuar viagem com ele. Era bom ter companhia, mas haviam coisas que me soavam estranhas ou que não me davam confiança, não no sentido de me sentir em perigo, mas de antever possíveis problemas ou algum choque de expectativas e personalidade.

  Ele dizia que no caminho até Marrocos, num comboio em Bordéus, perdeu uma mala com 14 mil euros e que dias mais tarde alguém fez um tweet a dizer que encontrou 14 mil euros num comboio, nessa mesma zona. Parecia uma história inventada, mas de facto ouvi-o a falar com amigos ao telemóvel sobre isto, inclusive utilizou o meu whatsapp para enviar mensagens a amigos para procurarem tal pessoa no twitter.

  Apesar de gostar da companhia, o Loic era demasiado diferente e de certa forma desorganizado para a fase de viagem em que eu estava. Não tinha como cozinhar nem onde dormir, nem sabia que era preciso pagar visto para a Mauritania e não estava de todo informado sobre o processo da fronteira e dos desafios. A primeira fronteira africana deixava-me um pouco nervoso e não me estava a agradar ter de conciliar essa fase com outra pessoa que,  para além de ter outro ritmo, me parecia estar mais desorientada. 

  Por várias vezes tentei que nos separassemos, mas ele insistia sempre em vir comigo, em tentar acompanhar-me. Por sorte, a caminho de Guerguerat encontrámos um abrigo à beira da estrada e nao pensámos muito antes de passar aí a noite. As janelas deixavam entrar muito vento e areia, pelo que passámos um bocado divertido a construir um muro de pedras para dormirmos mais descansados. Cozinhámos massa com atum, partilhámos um chocolate que comprara. Quando se fez noite, dormimos.

  Na manhã seguinte,  não me queria demorar.e tinha-lhe dito que ia sair cedo para chegar cedo à fronteira. Ele disse, uma vez mais, que me acompanharia até a Guerguerat e que aí nos separaríamos. Chegados a Guerguerat, insistiu para que tomássemos um café juntos e, depois de utilizar o meu telemovel durante meia hora para ligar a várias pessoas, disse que talvez passaria comigo para a Mauritânia.

  Até aí tentei não ser muito frontal e deixar que ele percebesse que já estava na hora de nos separarmos. Apesar de não ter dito nada, a minha expressão facial algo deve ter indicado, de maneira que,  quando me preparei para voltar à estrada, ele disse que afinal ficaria à espera de um amigo que chegaria nesse ou no próximo dia...

quarta-feira, 8 de maio de 2024

Pedra(s) no caminho

 A noite passei na salinha pequena que fazia de mesquita da estacao de essence perto de Marsa. Foi tranquilo depois do momento em que entrou um gajo com uma djeleba grossa e castanha a comer pão e que, depois de sujar o chão todo, se deitou a dormir. Teve de vir o segurança acordá-lo aos berros e acordando-me também.


Tinha um pacote de nescafé que abri e ao qual juntei água quente que pedi na cafetaria. Comi um pouco daquela papa de frutos secos que o Slama me dera e de seguida fui buscar a roupa que posto a secar na noite anterior e tentar lavar o resto que faltava. Filtrei a água da casa de banho para dentro das minhas garrafas e segui caminho. Parei em Marsa para comprar comida e encontrei finalmente uma frutaria! Já não comia fruta há imenso tempo, fruto de não encontrar uma mercearia no deserto. Soube bem os pêssegos e bananas que devorei.


Encontrei 3 rapazes que claramente não eram marroquinos a pedir boleia noutra estação de serviço. Atravessei a estrada e fui conversar um.pouco com eles. Eram australianos e vinham à boleia desde a Mauritânia e iam até Paris. Disseram-me que agora a polícia andava a controlar mais o comboio do ferro e que talvez não fosse muito fácil entrar. Vamos ver!


O resto do caminho foi completamente desértico. Fiquei com um escaldão nas pernas porque estava a usar calções. No dia anterior havia sido nos braços e mãos. Fui ouvindo músicas e podcasts. 


Houve apenas uma estacao de serviço em Lamsid onde comprei batatas fritas e ovos cozidos, mas não me pareceu um sitio agradável para ficar e ainda era cedo . Estava decidido a fazer os 80km que faltavam até Boujour, totalizando assim 180km num dia, quando 40km depois encontrei uma estacao de serviço que não estava no google maps. Ja estava bastante cansado e decidi-me a ficar por ali. Deixaram-me acampar debaixo de um telheiro e cozinhei massa com caldo knorr e atum.


O cansaço acumulado fez-se sentir na manhã seguinte quando acordei com o corpo extremamente dorido. Percebi que era um sinal do corpo a dizer-me para descansar e tomei a decisão de fazer os restantes 40kms até Boujdour e descansar aí por duas noites nuns bungalows de um parque de campismo. O corpo também pedia fruta e vegetais, a primeira coisa que comprei assim que cheguei à cidade.


Aproveitei esses dias então para descansar, tomar o primeiro banho de chuveiro em 11 dias, estabelecendo um novo recorde - lavei a cabeça algumas vezes e de vez em quando consegui um banho de balde, mas não é a mesma coisa. A roupa também a voltei a lavar e pude finalmente dormir bem.


Quando acordei na minha última noite em Boujdour, senti-me enjoado e por isso voltei a dormir. Levantei-me bem mais tarde do que planeara e ainda tinha de arrumar as coisas na bicicleta e fazer várias compras para o caminho. Para fazer as várias compras precisava de dinheiro e por isso também precisava de ir ao multibanco.


Calhou ser o dia em que quase nenhum dos atms tinha dinheiro. Devo ter percorrido todos os multibancos de Boujdour até conseguir levantar 100 dirhams.


Já passava das 13h quando consegui fazer-me à estrada e isso fez-me ir com mais pressa do que queria. Sentia-me cansado da manhã e cansado por causa do sol e do calor. Talvez por este cansaço ou talvez pela distração, não consegui desviar-me de uma pedra do tamanho de uma bola de futebol e passei sobre ela com a bicicleta. O pneu de trás furou automaticamente e tive de mudar a câmara de ar à beira da estrada, deixando que todas as malas se enchessem de areia e desesperando cada vez que um carro passava, pois isso provocava uma nova onda de vento e areia.


Ainda parou um motociclista francês que me ajudou a colocar o pneu de volta na roda. Quando me fiz à estrada senti que alguma coisa não estava bem e de facto a roda não estava centrada. Ainda parei uma vez durante o caminho e outra já num restaurante a tentar entender se este descentramento fora causado pelo embate ou se colocara mal à roda. Iam-se juntando várias pessoas tentando ajudar mas apenas causando mais pressão. Estive algumas horas a tentar entender o problema e notei que o proprio pneu não tinha enchido uniformemente. Desisti e fui dormir, completamente exausto.


Fiz 70km no dia seguinte até que o pneu se esvaziou outra vez. Fiz o esforço de chegar até a uma bomba de gasolina onde passaria a noite e no dia seguinte tentaria apanhar boleia de um camião para Dakhla, onde arranjara um contacto de uma loja de bicicletas.


Cheguei a Dakhla pelas 9 da manhã numa carrinha de um amigo dos polícias que estavam a fazer uma operação na estrada e a quem pedi ajuda. Resolvemos a questão da roda - era um problema na tensão dos raios que, com o embate, se terão desregulado - e tentei voltar a apanhar boleia tudo para trás para percorrer os kms que fizera de carro. 


Ninguém parou à excepção de uma carrinha que me levou 10km para fora de Dakhla. Como Dakhla era uma península, isso não me livrou do vento e dos 15kms talvez mais demorados que fiz até agora, com vento de frente e areia constantemente. Não sentirei saudades desta cidade, foi um período bastante stressante e até que conseguisse sair chegar à estrada principal tive de empurrar a bicicleta durante uma tarde inteira, de vez em quando esticando o dedo e tentando a minha sorte sem ter sorte.


Dormi noutra estação de serviço e dadas as dificuldades dos dias anteriores escolhi deixar o ego de lado e seguir caminho, ao invés de tentar voltar para trás e refazer aquele troço de bicicleta.

quinta-feira, 2 de maio de 2024

Dias que passam com o vento

 O primeiro dia com o Slama foi de descanso. Dormimos até tarde e depois demos um passeio pelo deserto. Mostrou-me os campos que já tinha cultivados e de onde esperava mais tarde colher vegetais e ver crescer um olival. Levou-me a ver a grande cisterna onde armazenava a água das chuvas que aconteciam apenas 4 ou 5 vezes num ano. 


  Tinha também um grande lago que se enchia através de uma bomba muito barulhenta e que se encontrava a uma altitude superior a todo o terreno, para ser mais fácil de regar, utilizando a força da gravidade.


  Vivia numa pequena cabine que construíra e que dependia da luz solar captada pelos vários painéis que haviam ao lado da casa e por baixo dos quais os 3 cães de guarda dormiam.




  Dizia-me sentir-se feliz ali, não gostava da confusão da cidade. O seu grande sonho era, também, ir para a Europa trabalhar, mas com o pai doente e sendo ele o filho mais velho, escolheu ficar. Ali ia criar o seu negócio e poder ganhar o dinheiro necessário para enviar os outros irmãos para Espanha!

  Tirei-lhe algumas fotos que coloquei no google maps e ajudei-o a inscrever-se no Workaway, para talvez mais tarde receber ali voluntários. Assim, poderia ter mais visibilidade e a visita de alguns outros viajantes que estivessem de passagem.

  Com ele aprendi muito sobre a vida no deserto, sobre os animais que existem, sobre os sonhos de quem ali vive.

  Estava em contacto com o Daniel Estima, que tem o canal de youtube "Os Andamente", desde o início da minha viagem. Ele e o Gonçalo (canal "De mochila às costas") tiveram a ideia de descer África num carro velho de 500€. Sabíamos que eventualmente nos iríamos encontrar, mas como eu estava ali e eles a chegar a Agadir... porque não?

  Como ele me disse que se no dia seguinte fizessem os 400km até onde eu me encontrava, conseguiam chegar ao final do dia, não hesitei em ficar mais uma noite. Para além disso, gostava da companhia do Slama e da sua forma descontraída de levar a vida. Por ele, claro que era na boa ter lá mais dois portugueses naquela noite!

  Fiquei o resto do dia a ler e a escrever na companhia de um amigo do Slama enquanto ele  foi a Guelmim comprar algumas coisas para essa noite. O Daniel e o Gonçalo chegaram perto do pôr do sol, e fomos buscá-los à estrada na scooter, o que deu umas filmagens incríveis como eles nos mostraram mais tarde.


  O Slama e dois amigos puseram umas mantas no chão e começaram uma fogueira e ficámos a noite a conversar através de um aparelho tradutor que os Andamente usam nos vídeos. Depois, um dos amigos foi buscar um saco com carne de dromedário e com a qual se fizeram espetadas - e que deliciosas eram! Comemos isso e depois sardinhas e para sobremesa melancia! 

  A combinação só ficou ainda mais inusitada quando, no deserto, choveu durante 5 minutos!

  Foi uma noite única, poder estar ali com dois portugueses que ainda por cima são pessoas que eu admiro e que vivem as coisas da mesma forma que eu. Partilhámos experiências e histórias, receios relativamente a cada uma das aventuras. Eu tinha muitas perguntas a fazer mas também respondi a imensas. E acima de tudo, rimos muito! Fazia-me falta uma noite assim



  Ainda ficámos no famoso carro a conversar até bastante tarde e depois fomos todos dormir na apertada cabine. De manhã escrevemos no capô do carro e gravaram uma pequena entrevista comigo e dissemos adeus. Seguíamos pela mesma estrada mas em velocidades diferentes.

  Tinha 100km para fazer até Tantan. A única povoação nessa direção e onde me esperava o Youssef, amigo do Mustapha e que me acolheu em sua casa. O caminho era feito de estradas infinitas onde à volta não havia nada. De vez em quando alguns camelos passeavam perto do asfalto e era possível vislumbrar uns montes ao longe. De resto, apenas vento.

  Em Tantan o Youssef deixou-me um apartamento só para mim e não me deixou pagar as 3 sandes que comi ao jantar. Gostei dele e foi pena não ter ficado mais tempo, mas agora estava com motivação para pedalar muito! No dia seguinte, já chegado à costa, fiquei num abrigo de rochas à beira da estrada onde infelizmente não estava tão protegido do vento quanto isso, como se verificou ao acordar.

  Anteontem fiz os 140kms que me separavam de Tarfaya onde fiquei em casa de um pescador que, ao me ver com a bicicleta na rua, me convidou a dormir na sua pequena casa. Esta noite dormi na mesquita de uma estação de serviço depois de Laayoune e vou tentar chegar o mais próximo possível de Boujdour, que fica a 180kms! Com o vento pelas costas fica mais fácil!

  Estou a sentir-me muito motivado e com vontade de pedalar. É sem dúvida um bom momento este que estou a passar. É desfrutar!

sábado, 27 de abril de 2024

A porta para o deserto

De manhã tomei o pequeno almoço com o resto dos hóspedes. Um casal de alemães, um de polacos, mais velhos, e as voluntárias. Fiquei a escrever no computador e depois de arrumar tudo, saí. 

Fui sem pensar em muita coisa, apenas escutando música. O caminho não era complicado, segui sempre pela estrada nacional que ia emdireção a Tiznit. Pelo caminho parei para comprar fruta , coca-cola e bolachas. 


Estava avançar bem e por isso tentei chegar até perto de Tiznit e aí procurar por alguma bomba de gasolina. Cheguei à Afriquia, onde o dono me deixou passar a noite num anexo que usavam para guardar a sua mota. Outro rapaz, o Karim, que trabalhava ali, tambem foi sempre muito simpático E conversador. 




Deixaram-me cozinhar na cozinha deles. Fiz couscous e ovos mexidos, outra vez. Depois fiquei no café, que tinha internet, a ver o Sporting X Guimarães e a conversar com o Karim. Fui-me deitar perto das 23h e, na manhã seguinte, depois de arrumar tudo, o Karim convidou-me para um café e para uma sandes de queijo. Quis que eu lhe tirasse umas fotos para o instagram com a minha máquina fotográfica e, por isso, foi rapidamente trocar de roupa e voltou um rapper americano.


Despedimo-nos e segui o meu caminho. Passei Tiznit muito rapidamente e dirigi-me para a costa. Algumas subidas íngremes no caminho fizeram-me ter de empurrar a bicicleta à mão, mas já sentia a brisa do mar a refrescar o ar que, juntamente com o protetor solar me lembravam Portugal. A Costa da Caparica e o Algarve no Verão.

Antes de Mirleft parei num pequeno mercado para compear maçãs, manteiga de amendoim e ovos. Cozinhei ali porque já me sentia fraco e com bastante fome, mas isto fez com que ficasse com bastante sono logo a seguir a comer.




Tentei nao dar muitos ouvidos à vontade de dormir e segui estrada. Passei Mirleft onde apreciei a praia que tinha uma rocha ao centro. Deixei a bicicleta no paredão e fui molhar a cara à água, quando voltei um pai e filho marroquinos meteram conversa comigo, queriam saber de onde vinha e para onde ia. No final deram-me 50 dirhams!

Queria ainda aavançar um pouco mais, até perto de Sidi Ifni. Vira no ioverlander que por essa zona haviam alguns bons sitios para acampar. Foi até aí que fui, numa bela estrada avistando sempre o mar à direita e verdes montanhas à esquerda. Quase nem tinha de pedalar em esforço.




Cheguei à ponta de uma de várias línguas de terra onde, pela frente, apenas havia mar. Montei a tenda. Passavam alguns pescadores, sempre amigáveis. Por trás de mim, havia uma casa com dois pequenos cães que apenas queriam festas. O dono não estava, mas no google maps diziam ser simpático.

Apareceu um grupo de 15 ou 16 casais italianos numa excursão, apenas para tirar fotos, e ainda estivemos um pouco à conversa. Depois fiquei a apreciar a paisagem sozinho e a ler um bocado de “Les adventures de Tom Sawyer” que ccomprara em Agadir em 2ª mão.



No dia seguinte, parei em Sidi Ifni para comprar pão que acabava de sair do forno. Vinha a escaldar. Sentei-me numa paragem de autocarro a comer e sentia-me com pouca energia. Já fazia calor àquela hora e o caminho que me esperava não seria fácil. Tive de empurrar a bicicleta por bastante tempo e dormi a sesta numa sombra de uma loja na aldeia antes da maior subida desse dia. 





Vou percebendo aos poucos a influência do cansaço e da alimentação na minha motivação e nos meus pensamentos. Quando me começo a sentir mais negativo tento recordar-me se descansei bem ou se comi be. Normalmente estas são as causas dos momentos em que me sinto mais em baixo. 

Depois dessa grande subida era sempre a descer até Guelmim. A Zineb, minha host do couchsurfing em Rabat, tinha-me dado o contacto do Abdelhadi que vivia em Guelmim e que viajara recentemente de bicicleta até à Costa do Marfim. O Abdelhadi, como não estava na cidade nesse dia, deu-me o contacto do Zarragane, só que ele vivia a 30km de Guelmim e noutra direção. Por sua vez, o Zarragane deu-me o contacto do Blal que vivia no oásis de Tighmert. Foi, então, para aí que me dirigi.








Tighmert é um sítio incrível, literalmente um oásis. À sua volta a paisagem é desértica, mas ali encontra-se um lugar mágico que os faz sentir que viajámos para outro sítio. Caminhos de terra e palmeiras, casas feitas de lama, carreiros que levam água às casas,...

Quando cheguei ao “Jardin de vie”, espaço do Blal, ele não estava, pelo que mandou alguém me vir abrir a porta. Cozinhei e fui dormir e na manhã seguinte perguntei-lhe se poderia ficar uma noite mais, para descansar. Ele foi incrivelmente simpático e fez-me sentir completamente em casa. Aproveitei para trocar a corrente à bicicleta e dar uma volta pela vila, escrever e ler.

À noite, vieram uns amigos do Blal para jantar. Eles eram muito musicais e trouxeram as guitarras. Cantavam imenso e senti-me feliz. Fomos buscar folhas de palmeira secas e fizemos uma fogueira e depois comemos Tagine de dromedário. Acabámos a festa às 2 da manhã, pelo que hoje já acordei tarde e o meu plano de sair cedo pela manhã teve de ser reforeformulado.




Não consegui deixar o oásis sem ser convidado novamente para um chá e um tagine, mas desta vez de frango. Saí um pouco mais tarde do que queria, ainda tinha de passar por guelmim para levantar dinheiro, comprar comida e carregar internet no telemóvel. Até à cidade apanhei imenso vento contra, pelo que demorei o dobro do tempo a chegar. Quando entrei na estrada que me levava para sul já o sol se estava a pôr e, apesar de belo, começou a ser também um pouco assustador.

Tinha a luz vermelha de trás, mas nao encontrava a da frente, e por isso coloquei o telemovel preso ao guiador com a lanterna ligada. 








Tinha o contacto do Slama, que estava a construir uma quinta no meio do deserto, a 20kms dali. Fui pedalando rápido e lutando contra o vento, tentando manter a bicicleta estável. Nem sempre foi fácil. Estava tudo escuro e apenas os carros que padsavam me iluminavam o caminho. 

Por fim, encontrei-o à minha espera à beira da estrada. Ainda caminhámos meia hora até uma pequena casa com os seus 3 cães de guarda. De dia é que reparei no grande tanque de água, nos painéis solares e nos campos que ele tinha preparado para mais tarde cultivar.


domingo, 21 de abril de 2024

Agadir

    Voltei para casa do Mohammed no deserto de Agafay onde tinha deixado algumas das minhas coisas. Descansei, tomei banho, comi e dormi e no dia seguinte estava pronto a sair cedo, mas fiquei um pouco mais porque ele me convidou para mais um pequeno almoço de ovos e azeitonas.

    Fizemos as despedidas e saí em direção à estrada nacional que ambicionava já ter percorrido, não fossem os contratempos. Estava calor e não estava a ser propriamente fácil. Ainda não estava completamete convencido de que tudo na bicicleta estava bem, e isso normalmente é sinal de que não estava. O que se veio a confirmar quando, ao entrar por um terreno mais acidentado, sentia que o guiador abanava e que com ele abanava o tal novo tubo. Começaram a vir-me os calores e o nervosismo, sabia agora que algo não estava bem e não havia quem me pudesse enganar. Na sombra de umas árvores onde descansava uma fonte, aiinda caí na tentação de voltar a desaparafusar algumas peças e ver se resultava, até que me decidi a percorrer os 200km até Agadir naquelas condições e aí, numa boa loja de bicicletas, avaliar as opções.





O homem de azul depois pediu-me dinheiro.

    Fui percorrendo estradas em linha reta com montanhas à minha esquerda, os Atlas. De vez em quando um vento tornava tudo mais fácil, levando-me a 40km/hora sem pedalar, outras vezes tornava tudo mais complicado. Passei Maijat, M’Zouda e Idouirane, até que cheguei a Imintanoute quando o sol se estava prestes a esconder. Perguntei na “Gendarmarie Royale” se podia acampar no seu parque de estacionamento, havia muito espaço e seria seguro. Chamaram o chefe e este disse-me que ali era interdito mas que podia ficar num hotel de graça, de um amigo dele. Ainda insisti que não era necessário, que podia ficar a acampar ali, mas ele insistiu que para eles era preferível. 



    Gostei de Imintanoute. Daquelas cidades/vilas que mantém a essência marroquina. Passeei pelo souk e comi umas sanduíches que vendiam na rua e fui dormir. Saí cedo e nesse dia esperavam-me longas subidas e muito calor. Tinha cerca de 120km até Agadir e pensei ser mais lógico fazer o máximo possível nesse dia, para que no seguinte fosse mais fácil e pudesse chegar à cidade ainda de manhã cedo.




    Creio que o calor, o cansaço, a dificuldade do terreno e a sede foram tendo o seu impacto em mim e na minha motivação, perturbando a minha capacidade de desfrutar da paisagem que era espetacular. Montanhas castanhas que subitamente deram lugar a montanhas vermelhas, sempre polvilhadas de árvores e arbustos de argão. Subidas intermináveis que me obrigavam a empurrar a bicicleta à mão e alguns pastores e as suas cabras.


    Ao chegar aos 70km estava completamente esgotado e comecei a procurar onde acampar nessa noite. A estrada por onde ia passava por debaixo de um grande viaduto e, mais abaixo, havia uma pequena vila e uma estrada secundária onde avistava alguns possíveis lugares tranquilos. Desci, sabendo que na manhã seguinte isso implicaria uma subida mais, e rapidamente encontrei uma sombra debaixo de uma pequena ponte, muito sossegada. Por ali andava um senhor a pastar o seu burro, e quando eu ia começar a cozinhar pediu-me comida. Convidei-o para comer comigo, cozinhei couscous e ovos mexidos. Ao acabar, e depois de ir buscar o seu burro estendeu a mão e


        - Dá-me dinheiro.

        - Porquê? Convidei-te para comer, se quiseres podes comer mais, podes beber água… e agora pedes-me dinheiro?! Queres mais comida?

        - Não, dá-me dinheiro. Porque é que não dás? Não tens?

        - Não te vou dar dinheiro. Já te disse que se quiseres te dou mais comida, dinheiro não.


    De realçar que não foi agressivo e isto é algo que acontece frequentemente pelo que tenho percebido. É normal pedir dinheiro porque sim. Se te derem, dão. Se não derem, não dão. E fazem-no com estrangeiros mas também com locais, já mo tinham referido na escola enquanto dava aulas.


    Pouco depois do pastor se ir embora pára um carro na estrada e outro homem desce. Disse que trabalhava para o governo e que não me podiam deixar ficar ali porque não era seguro. Não sei como soube que estava ali, mas também não me disse quem lhe contou. Disse-lhe que não tinha outro sítio para onde ir e que estava cansado. Ainda me sugeriu a estação de gasolina, mas era a 14km e não tinha capacidade de fazer essa distância toda, muito menos a subir. Acabou por me convidar para acampar ao lado de sua casa, que era naquela vila ali perto. Seguiu-me no carro e mostrou-me onde acampar, explicou-me que era apenas para a minha segurança. Deu-me água e mostrou-me onde montar a tenda. 




    Acordei cedo sem vontade nenhuma de voltar á estrada, mas fiz o esforço, subi tudo o que havia para subir. Sabia que a seguir seria apenas a descer e cheguei a atingir os 50km/h, travando frequentemente para evitar desastres. Passei por vários campos em que as cabras subiam às árvores para comer as folhas de argão e pelo caminho vi ao longe, parado a olhar para mim, outro cicloturista. Era o Lorenzo, italiano de Turim, que estava a viajar de bicicleta por 3 semanas em Marrocos. Seguimos juntos até Agadir e acompanhou-me até à oficina de bicicletas. Aí acabou por me ajudar a perceber o problema e a arranjar uma solução, conjuntamente com o mecânico que se revelou muito prestável. A peça nova tinha 1mm de diâmetro a menos do que deveria, e era isso que causava a instabilidade. Tivemos de soldá-la para a engrossar até à medida certa.



    Fiquei em Agadir as 3 noites seguintes. Comprei mantimentos e coisas que precisaria, fui à oficina ver da bicicleta e visitei um pouco da cidade. Não descansei tanto quanto queria, mas o que fiz tinha de ser feito para garantir que saía daqui com as coisas organizadas. Até ao Senegal talvez não encontrarei outra loja de bicicletas tão competente, por isso era necessário que tudo saísse daqui bem. 


    Esta noite fiquei num hostel porque a residência onde fiquei nas duas noites anteriores não tinha mais espaço. Aqui, uma das voluntárias é francesa mas a sua família paterna vive no Congo, por isso já tenho contactos lá! 


    Vou acabar de arrumar tudo e seguir viagem!

Estou na Mauritânia!

 A pequena câmera que apontava para mim do cimo do monitor, onde o homem de camisa registava alguns dados meus, tirou a foto que vi - mais t...