A pequena câmera que apontava para mim do cimo do monitor, onde o homem de camisa registava alguns dados meus, tirou a foto que vi - mais tarde - no visto que fora colado numa das páginas do passaporte.
Parecia um criminoso louco, com um escaldão na cara, barba por fazer e o cabelo despenteado e sujo.
Já tinha tudo, apenas faltava voltar ao edifício anterior para tirarem fotocópia do visto e do meu passaporte.
Depois, pude passar finalmente a cancela que me separava de oficialmente estar na Mauritânia. Não tinha quaisquer ouguyias, era o preço a pagar por não querer trocar dinheiro ali na fronteira e arriscar ser enganado: a Mauritania tinha trocado de moeda há alguns anos, reduziram um "0" e muitos comerciantes e táxistas por hábito e outros por malandragem continuavam a dizer os valores na moeda antiga, esperando ou não que algum turista desatento e desinformado lhes pagasse 10x mais do que o preço normal. Por isso, queria ir a uma casa de cambio e poder fazer as coisas com calma.
Água tinha, e tinha também algumas bolachas que sobraram daquelas que comprei em Guerguerat nas bombas de gasolina com os ultimos dirhams que me restavam.
Estava a 40kms de Nouhadibou e a paisagem continuava igual. Deserto, dunas, mas mais calor. No primeiro checkpoint, os polícias pediram-me uma fotocópia do passaporte, mas não tinha nenhuma. Já tinha sido avisado por outro português que fora até Dakar de mota que me daria muito jeito ter pelo menos umas 15 ou 20 fotocópias ou "fiches", como lhe chamavam os gendarmes.
No 2º checkpoint, o guarda foi bastante simpático, estivemos um pouco à conversa e contou-me que há uns dias ou semanas passou ali uma chinesa a pé. Ainda me seguiu no instagram e deu-me duas garrafas de água para o caminho.
Continuei e comecei a ver os primeiros trabalhadores à beira da estrada a cavar e colocar uns longos tubos debaixo da terra. Um pouco antes de passar a gare ferroviária de Nouhadibou, comecei a ouvir ao longe o famoso comboio que carregava minério de ferro e que eu tencionava apanhar, sem saber ainda como nem a logística que implicaria.
O comboio era de facto bastante longo, mas talvez por eu ir no sentido contrário pareceu-me menor do que os 3kms que diziam ter.
Tinha de arranjar maneira de contactar o Ad e também estava extremamente esfomeado. Acrescentando-se o calor, estava com uma dor de cabeça enorme - nestes momentos penso se foi desta que apanhei malária.
Chegado à cidade, rapidamente entendi o que era a confusão de um centro urbano africano. É como se não houvesse regras, qualquer pessoa pode inverter a marcha, encostar o carro ou fazer atravessar as suas cabras e ovelhas. Vi até, por mais do que uma vez, pessoas a reparar o seu carro no meio da estrada. Era uma confusão!
Parei num estabelecimento que realizava transações e envio de dinheiro internacionalmentr para ver se era possivel trocar ali alguns dólares. O rapaz ligou a outra pessoa que me propôs um câmbio muito fraco, pelo que recusei e perguntei se ao menos ele me podia fazer hotspot para eu ligar ao Ad através do Instagram.
Combinámos encontrar-nos num restaurante perto de sua casa. Não percebi se ele trabalhava lá, se o restaursnte era dele ou se ele simplesmente queria ir lá comer. Quando lá cheguei, perguntei por ele e percebi que não, ele não era nenhum empregado nem dono.
A empregada de mesa também me deixou ligar ao meu host e indicou-me uma cadeira para eu me sentar. Eles (os empregados) foram almoçar e trouxeram-me também um prato de frango com arroz e uma coca cola e água. Expliquei que não tinha dinheiro e que estava só à espera do tal rapaz, mas disseram não haver problema e que era oferta!
Quando chegou o Ad, surpreendi-me por ele ser branco. Esperava um negro ou mulato, mas, como me vim a aperceber, o seu pai era mauritano mas a mãe romena de Hunedoara - muito perto de Sibiu, onde fiz Erasmus. Qual a probabilidade?
Perguntou-me o que queria comer e voltei a almoçar, desta vez uma especie de strognoff também muito bom. Estava implícito que seria ele a pagar, mas mesmo que não fosse.... eu não tinha qualquer moeda local...
Eu estava muito sujo, cansado, despenteado e não cortava a barba há bastante tempo. A última vez que tomara banho tinha sido, talvez, há uns 10 dias - entretanto lavara-me algumas vezes nas casas de banho das estações de serviço. Era o deserto!
Foi, então, com muita satisfação que tomei banho de chuveiro e desfrutei de todos os confortos que havia no seu apartamento: cozinha, cama, playstation, máquina de lavar a roupa, etc. Era evidente que estava a ser acolhido por alguém que tinha um estilo de vida muito superior ao comum habitante de Nouhadibou.
Jogámos uns jogos de Fifa e dormi a sesta. Mais tarde saímos para ir jantar a um restaurante chinês.
(Da China era de onde vinham a maior parte dos imigrantes em Nouhadibou, depois do Senegal. Estavam ali instaladas várias fábricas e empresas de pesca chinesas e turcas, sendo frequente ver supermercados e restaurantes destas duas nacionalidades. A maior parte dos negros que se viam na rua eram senegaleses ou mauritanos descendentes de senegaleses.)
O restaurante estava quase vazio, tinha apenas dois ou três velhos sentados a uma mesa a fumar. Numa secretária, uma senhora chinesa e os seus dois filhos adolescentes pareciam tratar de algumas contas ou de registos do restaurante. O empregado de mesa do Mali, muito simpático por sinal, trouxe-nos um vasto menu que entreguei ao Ad, para que ele escolhesse aquilo que de que gostava mais.
Já tínhamos a nossa comida - que estava excelente - quando entrou um grupo de 6 ou 7 homens turcos. Foram para uma das 3 pequenas salas e sentaram-se à volta da mesa redonda que ali havia. Bebiam refrigerantes e fumavam. Cerca de 15 minutos depois chegaram duas mulheres do Sudeste Asiático, vestidas como se fossem sair à noite. Uma indumentária que vibrantemente contrastava com o frequente hijab e simples roupas das mulheres negras que se viam pela cidade. Juntaram-se aos turcos à volta da mesa
-Qual é a probabilidade de duas tailandesas serem amigas daqueles homens turcos?
- Ahahahaha - riu-se o Ad - elas não são suas amigas!
O que foi fácil de verificar quando, a espaços intervalados e à vez, um dos homens se levantava da mesa e saía do restaurante, enquanto uma das mulheres passava de divisão através de uma porta que certamente os faria encontrarem-se.