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quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

África é já ali...!

 

        Fiquei a escrever no hostel até às 12h e só aí comecei a pedalar. Estava naqueles dias em que apenas queria estar comigo e com os meus pensamentos. À saída de Sevilla, em direção a Los Palacios y Villafranca começava um trilho que seguia sempre pelas margens de um canal. Pelo google maps, a certo ponto devia desviar-me desse trilho e seguir pela estrada, para voltar ao trilho outra vez - só que isso implicava atravessar uma herdade e assim que cheguei aos sues portões, alguém numa carrinha que vinha atrás de mim gritou


            - Por aqui não se pode passar! É privado! -  nem ai nem ui!, realmente eu era uma                         ameaça às estradas daquela herdade e podia provocar estragos irreversíveis!



Voltei então para trás e segui novamente pelo canal. 20 minutos depois passei pelos outros portões daquela herdade - onde chegaria muito mais rápido se a tivesse atravessado… 

A certo ponto, o trilho encontrava-se com o alcatrão e por aí segui até chegar a “Las Cabezas de San Juan”,  uma vila com alguma dimensão e movimento - o facto de ser feriado de Andaluzia influencia certamente, dado que em muitos pueblos se fez ponte e se têm celebrado as festividades nestes dias. Da estrada, ao longe, rapidamente avistei uma urbanização um pouco fora da vila e que me pareceu bastante tranquila para acampar. Ainda teria umas horas de sol mas o corpo já pedia descanso e por isso encaminhei-me para aí.

        No caminho, passei por um recinto de feira com vários telheiros e que chamava por mim. Apenas umas quantas pessoas caminhavam ou corriam ali à volta e depois de escolher o meu telheiro entre os 20 que havia, comecei a cozinhar massa com atum.




Quando acabei, sentei-me a ouvir Space Oddity, cover de Passenger, e senti-me bem. Os dias têm sido sempre o que preciso. Quando preciso de alguém, essa pessoa aparece. Quando preciso de mim, ajudo-me, escuto-me. Tem sido bom estar sozinho.


Esteve apenas ligeiramente frio durante a noite. Às 9h já alguns desportistas e passeadores de cães que não deram pela minha presença circundavam o recinto em sucessivas voltas. Pus-me a caminho em direção a Arcos de la Frontera e encontrei-me com muitos ciclistas e motociclistas no caminho, mais do que em todo o resto da viagem. 






Em Gibalbín parei para escrever um pouco num café e carregar o telemóvel. Algo não funcionou com a minha powerbank naquela noite e já quase não tinha bateria. Quando me preparava para retomar a estrada, um grupo de motociclistas espanhóis curiosos perguntaram-me para onde ia e estivemos um pouco à conversa.


Arcos de la frontera surpreendeu-me tremendamente. Não cheguei a subir ao centro da cidade, mas continuando pela estrada que a circundava, após uma curva e sem nada o indicar, aparece o castelo no topo de uma arriba, mesmo por cima de mim… É uma visão extremamente incrível, bem como o é todas as casas ao longo desta arriba, a um passo do vazio. Foi a primeira vez no dia em que larguei um “F*da-se…” - e houve muitas!






Depois de Arcos, vinha Algar. Aqui tive de tomar uma decisão. Eram 15h e havia percorrido 55km (5km a mais do que queria, porque me enganei na direção logo à saída de Las Cabezas de San Juan) e o próximo pueblo era Jimena de la Frontera, a 45km. Pelo meio, o Parque Natural Los Alcornocales. Como tinha que estar em Gibraltar daí a 2 dias pela manhã, para fazer um bike fit numa loja de bicicletas de lá, tinha esta restrição temporal…

Sentia-me bem e por isso decidi arriscar depois de comprar comida e encher as garrafas de água. Com sorte, teria ainda umas 4h de sol pela frente que deveriam ser suficientes para atravessar todo o parque até ao Camping Los Alcornocales, já do outro lado.


O que se seguiu foram as melhores vistas que tive desde que iniciei a viagem. Campos verdes que acabavam em montes. Animais a pastar ao longe e ao perto. Estradas que serpenteavam da esquerda para a direita entre uma vegetação que, de vez em quando, me permitia ver outras serras no horizonte. As subidas foram muito exigentes e por várias vezes empurrei a bicicleta à mão, mas quando o caminho era a direito ou a descer o espetáculo era imenso.








        Ouvia “The Cranberries” quando cheguei ao Camping e a noite também já lá estava quase a chegar. Relutante, paguei os 12€ da tenda + pessoa, mas ao menos pude tomar um longo banho de água quente e tinha wifi.


Fui dormir assim que fiz tudo o que tinha a fazer: montar a tenda, saco-cama e colchão; tomar banho, cozinhar, lavar a louça, … isto tudo depois de 100km! Não é fácil chegar a algum lado cansado e ainda ter tanta coisa para fazer antes de dormir, mas faz parte! 




Agora vou sair em direção a Gibraltar e decidirei se procuro algum sítio para acampar no caminho ou se vou para outro parque de campismo, mas não me apetecia gastar mais dinheiro em alojamento porque já pretendo ficar 2 noites num hostel em Tangier, preciso de um dia só para dormir e comer… Verei!

terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

Depois da tempestade vem a (GRANDE) Bonança


       Essa noite em Zafra não foi propriamente tranquila. Apesar de ter encontrado um lugar perto da polícia, não perguntei a ninguém se podia lá acampar. Era um pequeno lugar ao lado do que me pareceu um restaurante fechado. Tinha o espaço necessário para colocar a tenda e a bicicleta. Passavam alguns carros de quando em vez, também algumas pessoas a passear os cães de vez em quando.

Cozinhei um pouco afastado de onde guardara as minhas coisas, para não atrair atenções - não fosse alguém lembrar-se de me roubar o lugar para dormir! Ainda estou a aprender a lidar com este fogão a combustível, mas acho que hoje fiz progressos importantes porque percebi que o “wind shield” (uma espécie de folha de alumínio mas muito mais resistente e que vem com o fogão) deve ser colocado exatamente junto à panela onde cozinho e não afastado. A maneira como estava a fazer anteriormente, levava a que se soltassem labaredas incontroláveis pelos lados da panela, o que tornava impossível a tarefa simples de mexer a massa.



Espaço onde coube a minha tenda e bicicleta.
Ao menos era abrigado da chuva.



Depois de comer, fiquei a escrever até ser quase de noie e aí sim montei a tenda. A bicicleta, essa pusera-a atrás de todo o batalhão de alforges, sacos de comida e tenda, tapada pela minha toalha. Visto de fora, ninguém saberia se quem ali passava a noite era um cicloturista ou um sem abrigo... ou os dois!

    Durante a noite ia acordando esporadicamente com barulhos da rua. Ora um carro a passar, ora adolescentes a conversar,... para acrescentar a isto, a noite pôs-se bastante chuvosa e ventosa, tanto que a certo ponto a tenda abanava por todos os lados apesar de abrigada. 




Quando acordei ainda chovia muito e a minha vontade de sair era pouca, mas tinha de me obrigar porque não havia previsão de sol para o resto do dia. O caminho seria maioritariamente por uma estrada nacional, a N-630, só que o vento era tanto que, quando não me empurrava pelas costas, tornava-se perigoso ao tentar desequilibrar-me. Por isso, a certo ponto fui por um trilho mais abrigado até Calzadilla de los Barros, o que trouxe consigo subidas mais íngremes que me obrigaram a levar a bicicleta à mão. Aqui comprei fruta, uns donuts e uma cola que comi debaixo das arcadas da praça central.

Já estava um pouco molhado ao sair desse pueblo e no caminho também não tive oportunidade de me secar. A mais ou menos 8 quilómetros de Monesterio, a chuva fraca que ia e vinha alternadamente com alguns raios de luz deixou-se ficar por bastante mais tempo e com bastante mais força. A certo ponto, a junção da chuva forte e do vento lateral encharcou todo o meu lado direito do corpo.



A poça de água nos meus sapatos.
Tive de trocar de meias.



           Passava o campo de futebol de Monesterio, mesmo à entrada da vila, quando vejo uma senhora completamente desesperada a correr de um lado para o outro com as mãos na cabeça 


        - O que se passa? Posso ajudar-te??

        - ROUBARAM-ME O CARRO! ROUBARAM-ME O CARRO E DEIXARAM ESTE AQUI - apontando para um velho seat branco que estava ainda a trabalhar 


     Justamente nesse momento chegava o seu marido com dois filhos pequenos no banco de trás que, ao verem a mãe naquele desespero, começaram também a chorar


        - ...mãe, tenho medo!!!


      Não quis ficar mais por ali até porque estavam todos em pânico, não quis atrapalhar uma família desesperada e já se ouviam as sirenes da guarda civil. Não consegui perceber exatamente o que se passou, mas espero que se tenha resolvido. Não foi uma situação fácil de presenciar e fiquei verdadeiramente preocupado.



       Descansei um pouco numa paragem de autocarros e decidi que ainda tinha forças para uns últimos 20km. Não me parecia que fosse encontrar ali algum sítio para ficar nessa noite.  Cheguei a Santa Olalla del Cala pelas 16h. Era um pueblo muito pequeno e em 2 minutos o atravessava de bicicleta. Não havia muito a acontecer, nem muito lugar onde ficar. Como era domingo, quase tudo estava fechado. Ainda liguei para o numero do padre que estava afixado no painel de anuncios fora da igreja, mas ninguém atendeu… Na Guarda Civil tambem não havia ninguém… Até que me apercebi que toda a gente estava a ver o Santa Olalla vs Huelva! Assim que me acerquei do campo de futebol vi um enorme toldo… Seria esse o meu objetivo, conseguir montar ali a tenda!



A grande tenda onde iria acampar, até que...



       Perguntei à mulher da banca das pipocas e sementes de girassol, depois de explicar a minha situação, a quem devia pedir autorização para acampar ali e ela prontamente ligou a alguém. Minutos depois chegou um jovem treinador, que me disse que apesar de fecharem o estádio no final do jogo, não havia problema em eu ficar debaixo dos toldos. Por esta altura, já duas avós de jogadores me tinham oferecido café e um bolo e conversávamos todos juntamente com o Paco, que chegara um pouco mais tarde. 

O Paco era o barbeiro do pueblo. Já estaria certamente na casa dos 70 mas continuava a manter o seu ofício pelas manhãs. Primeiro, ao perguntar-me se eu tinha comida e maneira de a cozinhar e de eu lhe explicar que sim, tinha massa e um fogão a combustível, obrigou-me a aceitar 20€ que tirou da carteira… e passado um pouco mais disse, já emocionado


        - Porque é que hás tu de ficar tu aí ao frio debaixo desses toldos enquanto que eu,                     felizmente, tenho uma casa com vários quartos onde podes dormir descansado, tomar banho e secar a roupa?! Podias ser o meu neto…


Paco emocionado depois de me ter aberto as portas de sua casa




E assim passei de não ter nada a ter tudo... Fomos ainda a um café onde me disse para pedir o que quisesse e depois ficámos em casa dele a conversar até me ir deitar. É até difícil aceitar o tanto que alguém nos quer dar de boa vontade. Não sei se realmente é assim, mas de momento acho que esta é uma dificuldade boa - porque não a tendo significaria que estaria a tomar tudo por garantido. Nesta viagem, procuro colocar as pessoas o mínimo possível numa situação de desconforto ou de "semi-obrigatoriedade de me ajudar porque lhes estou a pedir algo". Prefiro depender maioritariamente de mim e de pequenos favores como “montar a tenda debaixo do toldo”, porque isso dá abertura àqueles que vierem por bem de escolherem (ou não) fazer algo mais. E se não o escolherem, tudo bem! Tudo vem mais naturalmente.


Já sentia algumas saudades desta adrenalina de ficar até à última hora sem saber onde vou dormir. A verdade é que há sempre uma maneira, alguém ou algo. 


        E de repente tudo pode mudar.



        Já estou em Sevilla e preparo-me para sair em direção a Gibraltar. Fiquei num hostel esta noite e dei umas voltas por aqui, mas principalmente descansei e lavei a roupa. Não tive vontade de falar com ninguém ou de socializar, de responder ao “de onde és?”, “porquê Sevilla?”, “para onde vais a seguir?”… a bateria social também precisa de ser carregada!

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Por terras de Espanha...

 

     Saí de Elvas já passava das 10h. Ainda tive de arrumar tudo o que conseguira deixar espalhado pelo quarto em apenas uma noite. O Duarte, na noite anterior, bem disse 

        - Eh tu continuas o mesmo… Isso tudo praí aventado! - isto mais especificamente por ver              que ainda trazia nos alforges a lata de feijões com chouriço que comi no 2º dia. Não                  encontrei nenhum caixote pelo caminho!

Até Badajoz escolhi ir por uma estrada secundária em vez de seguir pela principal onde até havia uma ciclovia. Era mais calmo e sempre gostei mais daquele caminho alternativo. Assim que cheguei à cidade, passei pela loja “La Bicicleta” para recolher alguns conselhos e para ver se me ajudavam com a postura na bicicleta. Depois disso ainda tive de ir ao centro da cidade a um Amazon Locker buscar o kit de reparações do fogão, que me tinha esquecido de comprar a tempo… só que depois de fazer tudo certinho pela app, a porta do cacifo não abriu e apareceu uma imagem de erro! Espero que devolvam o dinheiro e entretanto terei de arranjar uma alternativa...




Voltei à estrada, tomava agora aquela que me levaria a Zafra e o plano seria ficar num pueblo qualquer a caminho. Já tinha perto de 55km quando cheguei a “Corte de Peleas”. Era uma vila pequena e pacata, onde quase não vi ninguém durante os 15 minutos em que percorri as suas ruas procurando algo que me indicasse a possibilidade de um lugar para dormir. O Ayuntamiento já estava fechado há umas horas, as piscinas já deviam ter fechado há uns meses, e quando me dirigia para a escola vi a Casa de Cultura e o Hogar dos Pensionistas, vulgo café dos reformados. Aí perguntei por um lugar abrigado da chuva para montar a tenda


        - La romaría! La romaría!


A romaria era um grande parque quase fora da cidade, com uma ermida e uns banhos públicos com um pequeno telheiro, onde poderia pernoitar. Era o lugar perfeito! Para aí fui e pus-me a cozinhar até ser quase de noite. Comi a típica massa com salsichas e montei a tenda. Ainda passou um grupo de adolescentes para cima e para baixo e desejaram-me bom apetite! Deitei-me cedo e apesar de passarem alguns carros por perto durante a noite, dormi muito bem.


Dormi tão bem que entre acordar e dar uns apertos na bicicleta eram quase 11 quando comecei o dia outra vez. À saída do pueblo, vi dois rapazes da minha idade de volta de uma mota, dentro de uma garagem, e perguntei-lhes se tinham água - entre a que usei para cozinhar e a que bebi, já quase não me restava nada e não convinha começar o dia sem água! Rapidamente um deles me foi buscar duas garrafas com as quais encheu os também dois bidons que levava na bicicleta. Ainda hablamos un rato e perguntaram-me se não preferia ir na mota deles em vez de na bicicleta. Seria demasiado fácil!



Villalba de los Barros




Longas plantações a perder de vista que se iam vendo pelo caminho

Pelo caminho até Zafra passei por dois outros pueblos: “Villalba de los Barros” e “Fuente del Maestre”. Neste último, procurava um supermercado quando, depois de comprar uma coca-cola numa bomba de gasolina, perguntei ao senhor que aí trabalhava onde era o mais próximo. Já de sua idade, o senhor fez questão de vir comigo até à beira da estrada e, num pequeno caderninho que sempre deve ter guardado para estas ocasiões, desenhou duas setas curvas à direita, enquanto me dizia que devia virar na próxima à direita e logo a seguir também.

A senhora daquela pequena loja era simpática e apesar de vender maioritariamente guloseimas, tinha umas outras prateleiras onde pude encontrar molho de tomate e massa. Comprei também um chocolate e batatas fritas. Pedi indicações para Zafra, e uma vez nessa estrada passei por algumas zonas de criação de porcos, em que os via fechados em recintos, de um lado e do outro da estrada. Não sei o que comiam, mas de cores só distinguia o castanho do seu pelo e o castanho da lama que espezinhavam. 





 

Em Zafra perguntei a um senhor que estendia roupa na varanda, com uma bicicleta pendurada por trás, onde eram os bombeiros. Segui as indicações que me deu e como a campainha não funcionava, liguei para o número de telefone que estava no portão do quartel. Perguntei se havia a possibilidade de montar por ali a tenda, mas disseram que depois da pandemia muitas restrições foram implementadas e que não seria possível. Ainda assim, perguntaram se me podiam ajudar de mais alguma forma e pedi se era possível pelo menos tomar banho. Há 2 noites que não o fazia e seria incrível poder dormir limpo hoje! Foram extremamente simpáticos, especialmente o David, com quem ainda fiquei a conversar bastante e que me sugeriu tentar na polícia por algum sítio onde acampar. 



Por terras de Espanha, já sinto que, de facto, viajo. As estradas têm sido longas retas que cortam por plantações. Quase como se alguém tivesse olhado para o mapa, traçado nele uma linha e dito: “Será por aqui!”. As poucas curvas até se estranham quando aparecem, mas o silêncio não...


        Esse está sempre a fazer barulho.


quinta-feira, 22 de fevereiro de 2024

Catos, Teatro, Borba e Elvas

 

         Plantámos os catos ao longo da cerca de metal que já existia. O objetivo era criar uma “cerca natural” que oferecesse algo mais do que proteção e delimitação do terreno. Neste caso, figos da índia! 

    Foi um trabalho engraçado! Eu e o João íamos à frente abrindo buracos com a enxada e a Valérie ia plantando os catos e tapando-os com terra outra vez. No final do processo, regámos cada cato com os garrafões que tínhamos enchido anteriormente. Como a previsão era de chuva para o dia seguinte, e como a chuva era boa para os catos mas um pouco mais desagradável para quem vai a pedalar, fizemos o esforço de deixar tudo bem regado para podermos desejar o Sol sem que ninguém fosse prejudicado.











        Aprende-se muito com a natureza e com quem trabalha nela. Senti que quero procurar ficar em mais quintas e fazer mais deste trabalho de campo, já vi que há varios projetos interessantes em plataformas como o Workaway.com nos países em que passarei. É sempre uma forma de aprender e conhecer outras realidades, e é grátis!

Voltámos para casa e depois de descansar e escrever, fui cozinhar o jantar com o Sinai, o filho mais novo. A ementa era bolonhesa vegetariana e sem grandes complicações ficou feita e bem feita! Com a Raclette, na minha primeira noite, tínhamos comido uns pickles e chutney caseiro e eu quis voltar a comer disto uma vez mais. Vai deixar saudades! 


O João faz parte do Colectivo Cultura Alentejo que é a companhia residente no Teatro Bernardim Ribeiro, em Estremoz. O grupo, sem o João desta vez, andava a ensaiar uma peça sobre o 25 de abril e 4a feira era dia de ensaio. Quando me convidou para ir com ele, não hesitei. Nunca tinha visto um ensaio de uma peça de teatro, para além de que estava curioso. Seria esse então o programa para depois de jantar!



A sala principal do Teatro era mesmo muito bonita. As cadeiras de um veludo vermelho e todo o teto e estrutura da plateia ornamentada com dourados e brancos. Parecia que se estava dentro de uma igreja! 

Quando chegámos, o grupo de 4 atores passavam uma bola de ténis entre si enquanto iam recitando, cada um, o seu texto. Ao início nem percebi se estavam a conversar casualmente ou se era de facto parte do ensaio, mas rapidamente se desligaram as luzes e a camera começou a gravar. Foi interessante porque no final estivemos a discutir os 6 aquilo que era ou não percetível para o público, se as ligações entre as personagens e se o encadeamento de toda a história era claro. Adorei esta parte porque dei por mim a falar com cada um deles não como as pessoas que tinha ali à frente, mas como as personagens que representavam, de modo a entender se aquilo que interpretei era o que eles procuravam que fosse interpretado. 

Não vou dar grandes informações sobre o conteúdo da peça porque senti que era mesmo importante toda a gente ir ver. Fala da liberdade e da falta dela. Fez-me refletir que mais importante do que todas as comodidades, seguranças, proteções e planos que se possa querer ter, é a possibilidade de se escolher entre tê-las ou não. Fazermos o que quisermos da nossa vida. Vão ver, dia 24 e 25 de abril no Teatro Bernardim Ribeiro que, curiosamente, fica na Av. 25 de abril em Estremoz.


Hoje acordei cedo e comecei a colocar de volta as coisas na bicicleta. Tomámos o pequeno almoço juntos e fomos lá para fora para tirar as últimas fotos antes de eu partir, não sem antes a Valérie me ter feito sumo de laranja para eu levar numa das garrafas da bicicleta! As despedidas foram rápidas e já estava a chuviscar quando comecei a pedalar.





Tinha visto com o Sinai que talvez fosse melhor não ir pela estrada principal até Borba, para ir mais tranquilo, portanto cortei logo à direita na saída que dizia “Mártires” e fui sempre por aí saboreando a chuva e o vazio da estrada que ela trazia. Por aqueles campos, ouvia Vitorino e não sei se era da chuva ou da sua voz alentejana, mas de tempos a tempos algo se arrepiava em mim.

Cheguei a Borba e meti por umas ruelas procurando vislumbrar as muralhas, que me indicariam que estava no centro da Vila. Rapidamente dei com a papelaria do pai do Duarte e encostei a bicicleta à porta


- Então rapaz! Estás preparado?

- Tenho de estar…

- Pois! A gente mete-se nelas, temos de estar preparados!


Em 10 minutos pusemos a conversa em dia, interrompendo para explicar a quem chegava de quem era a bicicleta que estava à entrada e porque estava ali. Pouco depois, estava a contornar o centro de Borba e a entrar na Nacional 4, uma vez mais. 

Em cerca de 30km chegaria a Elvas, onde pernoitaria na casa onde em tempos vivera a minha avó e que mantiveramos sempre. Apenas parei na Terrugem para descansar um pouco, no pequeno jardim que existe logo à entrada, saindo da estrada.




Eram 14h quando cheguei ao icónico aqueduto de Elvas e apesar de ter passado pelo supermercado para comprar algumas coisas com a intenção de cozinhar mais logo, as minhas primas que vivem ali perto fizeram questão de me cozinhar uns bifes e arroz! 

Comi quanto pude, e quando não pude mais fui dormir uma sesta até ligar ao Ferraz, com quem falei durante algum tempo sobre o que tem sido esta experiência. 

Conhecia o Ferraz do atletismo, mas não tínhamos grande contacto nessa altura. Foi sim num jantar de aniversário de um amigo comum que descobrimos que os dois tínhamos curiosidade pelas viagens e por experimentar andar à boleia. Não nos vimos mais durante alguns anos, mas no verão de 2022, quando comecei a magicar uma viagem à boleia saindo de Lisboa, senti que queria ter companhia e senti que ele era a única companhia que fazia sentido. E assim fomos durante 3 semanas até Zurique, parando em vários lugares e vivendo dias inesquecíveis, acampando à beira dos lagos e comendo massa com salsichas. Agora, é das grandes amizades que eu tenho.


Às 20h30 apareceu o Duarte para jantarmos. Trazia carne com tomate, cozinhada pela sua avó. É claro que só podia estar excelente! Como é hábito nele, trazia também consigo uma garrafa de vinho alentejano da qual demos conta entre conversas.


Amanhã atravesso a primeira fronteira depois de ter atravessado aquela que separa o sonho da realidade. Às vezes, a mistura da realidade com o sonho resulta em coisas concretas que ficam para a vida.


Amanhã já será mañana. 

Estou na Mauritânia!

 A pequena câmera que apontava para mim do cimo do monitor, onde o homem de camisa registava alguns dados meus, tirou a foto que vi - mais t...