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sábado, 27 de abril de 2024

A porta para o deserto

De manhã tomei o pequeno almoço com o resto dos hóspedes. Um casal de alemães, um de polacos, mais velhos, e as voluntárias. Fiquei a escrever no computador e depois de arrumar tudo, saí. 

Fui sem pensar em muita coisa, apenas escutando música. O caminho não era complicado, segui sempre pela estrada nacional que ia emdireção a Tiznit. Pelo caminho parei para comprar fruta , coca-cola e bolachas. 


Estava avançar bem e por isso tentei chegar até perto de Tiznit e aí procurar por alguma bomba de gasolina. Cheguei à Afriquia, onde o dono me deixou passar a noite num anexo que usavam para guardar a sua mota. Outro rapaz, o Karim, que trabalhava ali, tambem foi sempre muito simpático E conversador. 




Deixaram-me cozinhar na cozinha deles. Fiz couscous e ovos mexidos, outra vez. Depois fiquei no café, que tinha internet, a ver o Sporting X Guimarães e a conversar com o Karim. Fui-me deitar perto das 23h e, na manhã seguinte, depois de arrumar tudo, o Karim convidou-me para um café e para uma sandes de queijo. Quis que eu lhe tirasse umas fotos para o instagram com a minha máquina fotográfica e, por isso, foi rapidamente trocar de roupa e voltou um rapper americano.


Despedimo-nos e segui o meu caminho. Passei Tiznit muito rapidamente e dirigi-me para a costa. Algumas subidas íngremes no caminho fizeram-me ter de empurrar a bicicleta à mão, mas já sentia a brisa do mar a refrescar o ar que, juntamente com o protetor solar me lembravam Portugal. A Costa da Caparica e o Algarve no Verão.

Antes de Mirleft parei num pequeno mercado para compear maçãs, manteiga de amendoim e ovos. Cozinhei ali porque já me sentia fraco e com bastante fome, mas isto fez com que ficasse com bastante sono logo a seguir a comer.




Tentei nao dar muitos ouvidos à vontade de dormir e segui estrada. Passei Mirleft onde apreciei a praia que tinha uma rocha ao centro. Deixei a bicicleta no paredão e fui molhar a cara à água, quando voltei um pai e filho marroquinos meteram conversa comigo, queriam saber de onde vinha e para onde ia. No final deram-me 50 dirhams!

Queria ainda aavançar um pouco mais, até perto de Sidi Ifni. Vira no ioverlander que por essa zona haviam alguns bons sitios para acampar. Foi até aí que fui, numa bela estrada avistando sempre o mar à direita e verdes montanhas à esquerda. Quase nem tinha de pedalar em esforço.




Cheguei à ponta de uma de várias línguas de terra onde, pela frente, apenas havia mar. Montei a tenda. Passavam alguns pescadores, sempre amigáveis. Por trás de mim, havia uma casa com dois pequenos cães que apenas queriam festas. O dono não estava, mas no google maps diziam ser simpático.

Apareceu um grupo de 15 ou 16 casais italianos numa excursão, apenas para tirar fotos, e ainda estivemos um pouco à conversa. Depois fiquei a apreciar a paisagem sozinho e a ler um bocado de “Les adventures de Tom Sawyer” que ccomprara em Agadir em 2ª mão.



No dia seguinte, parei em Sidi Ifni para comprar pão que acabava de sair do forno. Vinha a escaldar. Sentei-me numa paragem de autocarro a comer e sentia-me com pouca energia. Já fazia calor àquela hora e o caminho que me esperava não seria fácil. Tive de empurrar a bicicleta por bastante tempo e dormi a sesta numa sombra de uma loja na aldeia antes da maior subida desse dia. 





Vou percebendo aos poucos a influência do cansaço e da alimentação na minha motivação e nos meus pensamentos. Quando me começo a sentir mais negativo tento recordar-me se descansei bem ou se comi be. Normalmente estas são as causas dos momentos em que me sinto mais em baixo. 

Depois dessa grande subida era sempre a descer até Guelmim. A Zineb, minha host do couchsurfing em Rabat, tinha-me dado o contacto do Abdelhadi que vivia em Guelmim e que viajara recentemente de bicicleta até à Costa do Marfim. O Abdelhadi, como não estava na cidade nesse dia, deu-me o contacto do Zarragane, só que ele vivia a 30km de Guelmim e noutra direção. Por sua vez, o Zarragane deu-me o contacto do Blal que vivia no oásis de Tighmert. Foi, então, para aí que me dirigi.








Tighmert é um sítio incrível, literalmente um oásis. À sua volta a paisagem é desértica, mas ali encontra-se um lugar mágico que os faz sentir que viajámos para outro sítio. Caminhos de terra e palmeiras, casas feitas de lama, carreiros que levam água às casas,...

Quando cheguei ao “Jardin de vie”, espaço do Blal, ele não estava, pelo que mandou alguém me vir abrir a porta. Cozinhei e fui dormir e na manhã seguinte perguntei-lhe se poderia ficar uma noite mais, para descansar. Ele foi incrivelmente simpático e fez-me sentir completamente em casa. Aproveitei para trocar a corrente à bicicleta e dar uma volta pela vila, escrever e ler.

À noite, vieram uns amigos do Blal para jantar. Eles eram muito musicais e trouxeram as guitarras. Cantavam imenso e senti-me feliz. Fomos buscar folhas de palmeira secas e fizemos uma fogueira e depois comemos Tagine de dromedário. Acabámos a festa às 2 da manhã, pelo que hoje já acordei tarde e o meu plano de sair cedo pela manhã teve de ser reforeformulado.




Não consegui deixar o oásis sem ser convidado novamente para um chá e um tagine, mas desta vez de frango. Saí um pouco mais tarde do que queria, ainda tinha de passar por guelmim para levantar dinheiro, comprar comida e carregar internet no telemóvel. Até à cidade apanhei imenso vento contra, pelo que demorei o dobro do tempo a chegar. Quando entrei na estrada que me levava para sul já o sol se estava a pôr e, apesar de belo, começou a ser também um pouco assustador.

Tinha a luz vermelha de trás, mas nao encontrava a da frente, e por isso coloquei o telemovel preso ao guiador com a lanterna ligada. 








Tinha o contacto do Slama, que estava a construir uma quinta no meio do deserto, a 20kms dali. Fui pedalando rápido e lutando contra o vento, tentando manter a bicicleta estável. Nem sempre foi fácil. Estava tudo escuro e apenas os carros que padsavam me iluminavam o caminho. 

Por fim, encontrei-o à minha espera à beira da estrada. Ainda caminhámos meia hora até uma pequena casa com os seus 3 cães de guarda. De dia é que reparei no grande tanque de água, nos painéis solares e nos campos que ele tinha preparado para mais tarde cultivar.


domingo, 21 de abril de 2024

Agadir

    Voltei para casa do Mohammed no deserto de Agafay onde tinha deixado algumas das minhas coisas. Descansei, tomei banho, comi e dormi e no dia seguinte estava pronto a sair cedo, mas fiquei um pouco mais porque ele me convidou para mais um pequeno almoço de ovos e azeitonas.

    Fizemos as despedidas e saí em direção à estrada nacional que ambicionava já ter percorrido, não fossem os contratempos. Estava calor e não estava a ser propriamente fácil. Ainda não estava completamete convencido de que tudo na bicicleta estava bem, e isso normalmente é sinal de que não estava. O que se veio a confirmar quando, ao entrar por um terreno mais acidentado, sentia que o guiador abanava e que com ele abanava o tal novo tubo. Começaram a vir-me os calores e o nervosismo, sabia agora que algo não estava bem e não havia quem me pudesse enganar. Na sombra de umas árvores onde descansava uma fonte, aiinda caí na tentação de voltar a desaparafusar algumas peças e ver se resultava, até que me decidi a percorrer os 200km até Agadir naquelas condições e aí, numa boa loja de bicicletas, avaliar as opções.





O homem de azul depois pediu-me dinheiro.

    Fui percorrendo estradas em linha reta com montanhas à minha esquerda, os Atlas. De vez em quando um vento tornava tudo mais fácil, levando-me a 40km/hora sem pedalar, outras vezes tornava tudo mais complicado. Passei Maijat, M’Zouda e Idouirane, até que cheguei a Imintanoute quando o sol se estava prestes a esconder. Perguntei na “Gendarmarie Royale” se podia acampar no seu parque de estacionamento, havia muito espaço e seria seguro. Chamaram o chefe e este disse-me que ali era interdito mas que podia ficar num hotel de graça, de um amigo dele. Ainda insisti que não era necessário, que podia ficar a acampar ali, mas ele insistiu que para eles era preferível. 



    Gostei de Imintanoute. Daquelas cidades/vilas que mantém a essência marroquina. Passeei pelo souk e comi umas sanduíches que vendiam na rua e fui dormir. Saí cedo e nesse dia esperavam-me longas subidas e muito calor. Tinha cerca de 120km até Agadir e pensei ser mais lógico fazer o máximo possível nesse dia, para que no seguinte fosse mais fácil e pudesse chegar à cidade ainda de manhã cedo.




    Creio que o calor, o cansaço, a dificuldade do terreno e a sede foram tendo o seu impacto em mim e na minha motivação, perturbando a minha capacidade de desfrutar da paisagem que era espetacular. Montanhas castanhas que subitamente deram lugar a montanhas vermelhas, sempre polvilhadas de árvores e arbustos de argão. Subidas intermináveis que me obrigavam a empurrar a bicicleta à mão e alguns pastores e as suas cabras.


    Ao chegar aos 70km estava completamente esgotado e comecei a procurar onde acampar nessa noite. A estrada por onde ia passava por debaixo de um grande viaduto e, mais abaixo, havia uma pequena vila e uma estrada secundária onde avistava alguns possíveis lugares tranquilos. Desci, sabendo que na manhã seguinte isso implicaria uma subida mais, e rapidamente encontrei uma sombra debaixo de uma pequena ponte, muito sossegada. Por ali andava um senhor a pastar o seu burro, e quando eu ia começar a cozinhar pediu-me comida. Convidei-o para comer comigo, cozinhei couscous e ovos mexidos. Ao acabar, e depois de ir buscar o seu burro estendeu a mão e


        - Dá-me dinheiro.

        - Porquê? Convidei-te para comer, se quiseres podes comer mais, podes beber água… e agora pedes-me dinheiro?! Queres mais comida?

        - Não, dá-me dinheiro. Porque é que não dás? Não tens?

        - Não te vou dar dinheiro. Já te disse que se quiseres te dou mais comida, dinheiro não.


    De realçar que não foi agressivo e isto é algo que acontece frequentemente pelo que tenho percebido. É normal pedir dinheiro porque sim. Se te derem, dão. Se não derem, não dão. E fazem-no com estrangeiros mas também com locais, já mo tinham referido na escola enquanto dava aulas.


    Pouco depois do pastor se ir embora pára um carro na estrada e outro homem desce. Disse que trabalhava para o governo e que não me podiam deixar ficar ali porque não era seguro. Não sei como soube que estava ali, mas também não me disse quem lhe contou. Disse-lhe que não tinha outro sítio para onde ir e que estava cansado. Ainda me sugeriu a estação de gasolina, mas era a 14km e não tinha capacidade de fazer essa distância toda, muito menos a subir. Acabou por me convidar para acampar ao lado de sua casa, que era naquela vila ali perto. Seguiu-me no carro e mostrou-me onde acampar, explicou-me que era apenas para a minha segurança. Deu-me água e mostrou-me onde montar a tenda. 




    Acordei cedo sem vontade nenhuma de voltar á estrada, mas fiz o esforço, subi tudo o que havia para subir. Sabia que a seguir seria apenas a descer e cheguei a atingir os 50km/h, travando frequentemente para evitar desastres. Passei por vários campos em que as cabras subiam às árvores para comer as folhas de argão e pelo caminho vi ao longe, parado a olhar para mim, outro cicloturista. Era o Lorenzo, italiano de Turim, que estava a viajar de bicicleta por 3 semanas em Marrocos. Seguimos juntos até Agadir e acompanhou-me até à oficina de bicicletas. Aí acabou por me ajudar a perceber o problema e a arranjar uma solução, conjuntamente com o mecânico que se revelou muito prestável. A peça nova tinha 1mm de diâmetro a menos do que deveria, e era isso que causava a instabilidade. Tivemos de soldá-la para a engrossar até à medida certa.



    Fiquei em Agadir as 3 noites seguintes. Comprei mantimentos e coisas que precisaria, fui à oficina ver da bicicleta e visitei um pouco da cidade. Não descansei tanto quanto queria, mas o que fiz tinha de ser feito para garantir que saía daqui com as coisas organizadas. Até ao Senegal talvez não encontrarei outra loja de bicicletas tão competente, por isso era necessário que tudo saísse daqui bem. 


    Esta noite fiquei num hostel porque a residência onde fiquei nas duas noites anteriores não tinha mais espaço. Aqui, uma das voluntárias é francesa mas a sua família paterna vive no Congo, por isso já tenho contactos lá! 


    Vou acabar de arrumar tudo e seguir viagem!

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Voltar atrás

    Na noite antes de deixar El Kelaa estava a sentir-me sozinho, nervoso de recomeçar, de voltar ao desconforto, de acampar. Do calor das tardes e da solidão das noites.


    Conheci o holandês Joost e a mãe enquanto sentia isto. Não havia luz, falámos iluminados pela lanterna do telemóvel refletindo numa garrafa de água. Ele tinha sido voluntário na escola há 3 anos e voltou para visitar o pessoal. Ficaram no apartamento e estivemos a conversar bastante, ele já tinha viajado bastante, muitas vezes através do Workaway. Foi a distração que precisava.



    De manhã faltou a água e demorei a arrumar tudo. Parecia sempre que faltava alguma coisa. Desta vez tentei colocar a maior parte do peso nos alforges da frente, tinha lido que era uma melhor forma de fazer a distribuição da carga dado que a metade de trás da bicicleta já me carregava a mim. Apertei uns parafusos e ia colocar óleo na corrente só que entornei metade do frasco para o chão da rua, deixando-o escorregadio. 


    Saí não sem antes me despedir do senhorio e de ver a sua cara de dúvida quando lhe disse até onde pretendia ir naquela bicicleta. Falámos um pouco mais do que o normal, que era ele a reclamar que eu fechava a porta do prédio com muita força.


    Estava muito calor mas rapidamente libertei todas aquelas inseguranças e medos que na noite anterior me dificultaram o sono. Estava a adorar! Estava de volta!







    Parei numa pastelaria para comprar uns bolos e numa fonte para encher as águas, agora viajava com um bidon de ciclismo - que já tinha - e uma garrafa de sumo de laranja. Porquê? Porque alguém devia precisar urgentemente de uma garrafa de ciclismo ao sair das aulas de inglês e resolveu levar o meu, que habitualmente trazia na bicicleta quando ia para a escola.

Ia na estrada para Marraquexe quando um carro me ultrapassa e para a cerca de 100 metros. De lá sai o Aniss, que era o professor de alemão na escola onde eu estivera a ensinar ingles - quando ficava até tarde na escola para usar o wifi, ele estava sempre por lá e conversávamos um pouco. Perguntou se eu ia para Marraquexe e disse que podíamos combinar um café por lá. Tentei explicar-lhe que não tinha onde ficar e que por isso talvez não fosse possível, mas não sei se entendeu onde eu queria chegar. (Mais tarde mandei-lhe mensagem, sendo mais explícito, mas não foi entregue porque ele não tivera conexão e só me respondeu no dia seguinte a dizer que era na boa ficar em casa dele… só que eu já tinha passado Marraquexe!).



    

    A meio do caminho, com cerca de 30km, parei para comer uma sandes de espetadas numa vila à beira da estrada. 1,5€. Segui caminho mas começou a fazer muito calor, pelo que me decidi a descansar no melhor sitio que encontrasse. Esse melhor sítio que encontrei foi a sombra de um café em Ras El Ain Rehamena, onde estive a comer uns croissants que trazia e a beber muita agua. Segui e doía-me a cabeça. Procurei onde acampar e resolvi sair da estrada principal. Encontrei uns terrenos delimitados por uns muros de pedra laranja onde me sentei a cozinhar e a ouvir o podcast watch.tm. Ainda era de dia, pelo que esperaria até ser mais tarde para montar a tenda. 




    Já o sol se estava a pôr e apareceram 3 rapazes. Comecei a sentir que não tivera sorte no lugar que escolhera, mas apenas me perguntaram se precisava de algo, se queria água ou comida. Eram irmãos e tinham vindo para aquela terra agora nos feriados do Eid. Ali viviam os seus avós. Jogámos um pouco de futebol juntos, ajudaram-me a montar a tenda, trouxeram-me água e ainda voltaram já de noite com a sua mãe que queria ter a certeza de que eu não precisava de mais nada.






    Durante a noite ainda apareceu um carro a inverter a marcha naquele terreno, acordando-me e mantendo-me alerta. Acabou por ser uma noite tranquila mas em que não dormi muito. Levantei-me pelas 6h15 da manhã, comecei a arrumar as coisas e vi ao longe balões de ar quente que subiram para ver o nascer do sol.








    Segui estrada fora até Marraquexe, levantei dinheiro e continuei em direção a Agafay. Foi giro ver turistas outra vez e acenar-lhes. Meti por uma estrada depois de Agafay que me levaria a Imintanout. Já passava do meio dia e não havia nada nem ninguém. Adorei este percurso! Eventualmente ficou demasiado calor e arranjei o sítio perfeito para a cama de rede.



    Pouco depois sou acordado por passos, mas era um rapaz num burro que se aproximava. Pediu-me dinheiro. Disse-lhe que não. Ofereci água e umas bolachas que guardou sem comer. Voltou para um aglomerado de casas que se viam ao longe e uma hora depois regressou com outro rapaz mais pequeno e mais novo, com uma bandeja de couscous e um jarro de leite que devia ser de cabra. Disse que era para mim e eu convidei-os a comerem comigo mas não quiseram. No final, vi os dois rapazes aos segredos um com o outro e o mais novo a tirar uma moeda de 1 dirham do bolso enquanto se ria. Rapidamente entendera a situação, mas esperei que demorassem a voltar a pedir-me dinheiro.


    Neste caso, pareceu-me justo dar alguma coisa e dei as duas moedas que tinha na carteira. Quando se iam embora apercebi-me de que estavam a discutir e que o mais velho estava a tentar tirar o dinheiro ao mais novo, vindo-me pedir mais ainda. Quando já se tinham afastado ouvi ao longe o mais pequeno a chorar. Não entendi completamente a situação, não percebi se era aquilo que os pais queriam deles, o que fariam com o dinheiro, …



    Descansei mais um pouco e deixei o calor passar. Molhava a roupa toda com água e 5 minutos depois estava seco. Assim que voltei ao caminho, senti que alguma parte da bicicleta tinha folga porque ouvia o som de algo solto e não era o abanar dos sacos ou o normal agitar provocado pelas várias pedras do solo. Parecia-me que o problema vinha da peça nova que colocara em El Kelaa, porque sentia a folga quando abanava a bicicleta através do guiador.

Comecei a desapertar o guiador, o avanço, tudo naquela região da bicicleta. O Sol a começar a querer esconder-se eu no meio do deserto, a suar, com fome e sede e ainda a uns 20km da vila a que pretendia chegar. Não consegui resolver nada nem perceber qual era realmente o problema e isso ainda me deixou mais ansioso. Decidi-me a seguir caminho, não convinha ficar ali sem água e naquele estado.


    Ao longe uns rapazes que vinham do meio dos montes devem ter-me distinguido através do vermelho das minhas malas que contrasta com o branco e castanho das pedras e areia. Vieram a correr na direção do caminho por que passaria, mas agora sabia que não queriam apenas um “mais cinco”, iam-me pedir dinheiro e começar a correr atrás de mim - e foi isso que fizeram ao passar por eles ignorando as suas tentativas de me fazer parar. Estes momentos provocam um pico de adrenalina porque nunca sei o que decidirá um miúdo de 7 ou 8 anos fazer se o que lhe ensinam é a pedir dinheiro e correr atrás dos turistas que vir. O Anthony, alemão que conhecera na minha primeira semana em Marrocos, disse-me que crianças lhe atiraram pedras e tentaram roubar-lhe o casaco ao passar em algumas aldeias nas montanhas.


    Eventualmente cheguei ao alcatrão e sentia-me ansioso e nervoso por tudo o que se passara no final da tarde: o problema da bicicleta, os miúdos, o calor, o não ter água,... e amaldiçoava isto enquanto passava à frente de um olival com uma casa rosa em jeito de castelo. Resolvi entrar, primeiro com a ideia de pedir água e depois, se a pessoa reagisse bem, perguntar se podia acampar.



    

    Não encontrava ninguém. Umas galinhas passeavam livremente, dois pavões e uns patos, até que oiço chamar da casa rosa e vejo um homem, o Mohammed, sentado num cadeirão em cima do telhado. Aponto para a garrafa e ele faz sinal de que viria rapidamente. Quando chegou perto de mim já vinha ao telefone com a sobrinha que vivia em França para que ela traduzisse o que eu dissesse. Foi através deste método que lhe perguntei se podia ficar ali nessa noite, ao que ele respondeu que poderia ficar o tempo que quisesse, que podia acampar ou ficar dentro de casa. Montei a tenda no rooftop e tentei durante algum tempo perceber outra vez qual era o problema da bicicleta. Desisti e fui-me juntar a ele para ver o pôr do sol. Não conseguíamos comunicar muito, mas ficámos ali cada um com os seus pensamentos até que escureceu.

Fui cozinhar o meu couscous na cozinha e o Mohammed entretanto foi à vila. Deixou-me completamente à vontade 


        - This house… is you. - e apontou para mim, querendo certamente dizer que me podia sentir em casa.


    Quando voltou trazia um saco cheio de comida para mim: noodles, bolachas, atum em lata, pacotes de nescafé. Depois, ainda foi colher um abacate para eu comer e apareceu com um alguidar com água quente ao qual juntou sal, onde me disse para colocar os pés para ajudar a relaxar. Tratamento VIP!



    De manhã, depois de arrumar quase tudo, tentei mais uma vez perceber de onde vinha o problema e se o conseguia resolver. Decidi-me a apertar todos os parafusos da bicicleta, talvez algum estivesse solto. Não estava a ter efeito e começava a perder a esperança. Sentei-me no chão com todas as minhas ferramentas e sacos espalhados. Não sabia o que fazer e sentia-me esgotado, fiquei ali bastante tempo sem pensar em nada. Durante estes pensamentos fui interrompido pelo Mohammed que me chama para tomar o pequeno-almoço com ele. E um verdadeiro pequeno almoço! 




    Voltei à bicicleta e finalmente percebi que a folga vinha da roda de trás, que mesmo depois de apertada continuava a mexer-se. Sentia-me mais aliviado por não ser da peça nova, certamente teria arranjo. Ainda assim, falei com o Pedro Bento que me ajudou a identificar o problema e a perceber o que fazer. Então, como já eram 14h escolhi ficar ali aquela noite e no dia seguinte partiria para Marraquexe, a fim de reparar o problema o quanto antes. Durante este processo, o Mohammed foi e voltou à fila e começou a cozinhar um arroz incrível que comemos a ouvir Zeca Afonso. 



    Durante a tarde, como não tinha que fazer, limpei o chão e alguns móveis daquela pequena divisão. Tive de arranjar algo com que me entreter. Talvez por causa da barreira linguística, não percebi que o Mohammed não voltaria nessa noite e que dormiria em Marraquexe junto da família. Durante toda a noite, enquanto ouvia as músicas e podcasts que tinha descarregado, esperava que ele chegasse, mas só chegou na manhã seguinte com vários bolos e comida para o pequeno-almoço. 


    Saí pelas 10h30 em direção a Marraquexe. Parte das coisas levei comigo, o equipamento de campismo e de cozinha deixei lá, passaria por ali na volta. A minha ideia era ir e vir no mesmo dia, mas quando cheguei à loja de bicicletas disseram-me que como era domingo não haviam mecânicos ali e teria de esperar até hoje. Fiquei num hostel e andei pela cidade, é bem diferente durante e depois do Ramadão. Tem mais vida e gente, há mais bancas de comida e turistas.

    

    O Oscar, um inglês que viera de bicicleta até Marraquexe, era o mecânico e tratou de pôr a bicicleta a funcionar e dar-me algumas recomendações. Vou voltar à estrada!

Estou na Mauritânia!

 A pequena câmera que apontava para mim do cimo do monitor, onde o homem de camisa registava alguns dados meus, tirou a foto que vi - mais t...