Os dias com a Zineb e com os seus irmãos foram exatamente o que precisava: alguma conversa, muita comida e muito descanso. Inicialmente era para ficar apenas uma noite, mas como me sentia muito cansado e a previsão dos dois dias seguintes era de chuva, acabei por ficar 3 noites. Fiz as refeições todas com eles - a irmã da Zineb, Assia, é uma excelente cozinheira - e após cada uma bebíamos sempre chá. Gosto desta rotina tão presente nos países muçulmanos e não só, em que uma bebida tão simples como o chá acaba por se tornar um pretexto e motivo de reunião.
Já o tinha sentido na Jordânia e na Turquia, e nestas ocasiões é que me apercebo do quão a socialização em Portugal e na Europa gira tão mais em torno do alcool do que imagino. Isto porque me apercebo que muitas das vezes em que consumo álcool, o faço não por realmente desejar mas porque era um pouco estranho não o fazer: festas, saídas à noite, ... E agora entrando um pouco em contradição, também sei que aqui o “normal” é o chá e se calhar há mais gente como eu que um dia virão a Portugal e acharão que beber uma cerveja numa tasca é que é! Enfim, acho que só me estou a deslumbrar com a diferença e a comparar realidades.
Saí de Rabat já pelas 13h, tive de carregar a bicicleta e sacos escadas abaixo - arrumar as coisas nos alforges demora sempre bastante tempo - e encontrar a estrada junto à marginal, ladeada por palmeiras e onde as ondas que explodiam com força molhavam a estrada e os que nela circulavam. Fiz cerca de 40km sempre junto ao mar, passando por várias urbanizações e zonas ricas, não parecia o Marrocos que eu vira até aí. Viam-se vários condomínios com gradeamento e segurança à porta, da parte de dentro pareciam verdadeiras vilas! A estrada fora sempre essa alternância de pobreza e riqueza, sempre com o mar como pano de fundo.
Ainda deu para ver os primeiros camelos desde que cheguei a este país. Neste caso, para venda! Mais tarde, acabei por encontrar uma mata junto a uma destas urbanizações. Escolhi umas árvores onde já não me poderiam ver da estrada e montei a minha cama de rede pela primeira vez nesta viagem. Era muito mais prático e menos trabalhoso do que montar a tenda e tudo o que isso implicava desarrumar, só era importante que fizesse bom tempo e que não chovesse. Ouvi o relato do Sporting enquanto comia pão com atum, e assim que se fez noite fui dormir.
Quando já estava quase a dormir, aconteceu aquilo que qualquer pessoa teme ao acampar no meio do mato: passos de alguém a aproximar-se. Vi uma luz muito forte a apontar para mim, mas percebi que a pessoa sorria e acabou por não ser nada de mais. Era apenas um apicultor que tratava das colmeias junto às quais eu escolhera dormir - já tinha visto que andavam outros a trabalhar numas colmeias mais ao longe - e perguntou-me por gestos se tinha comido e desejou-me boa noite!
Acordei com o sol e com fome, comecei a pedalar muito cedo e tinha em mente passar num McDonald’s que sabia haver a caminho, mas à beira da estrada vi uma banca de sandes e de crepes e parei lá porque era mesmo aquilo que me apetecia! Comi duas vezes, ou seja, 4 sandes de ovo e um crepe com mel, o chá era sempre oferecido e ficou por 20dirhams (2€). Era exatamente daquelas bancas de passagem onde os locais em viagem ou antes do trabalho param para comer.
Segui viagem e sentia-me cheio de força, o vento também e dava-me pelas costas. Ao final da manhã já tinha percorrido quase 70km e pretendia continuar. Parei de vez em quando para descansar à sombra e numaloja à beira da estrada para comprar bolachas onde o senhor, como não falava francês, pedia à filha de 4 ou 5 anos para me traduzir!
Já tinha passado a cidade de Settat, quando comecei a procurar algum sítio para acampar. Perguntei numa estação de serviço e numa quinta mas disseram que não seria possível, até que ao entrar por um olival que vira da estrada encontrei um agricultor que me deixou montar ali a tenda. Acabei o dia tendo feito 125km, o máximo que alguma vez percorri num só dia! Cozinhei a massa com atum e tomate e fui dormir antes que ficasse demasiado frio.
Agora parei numa estação de serviço para carregar o telemóvel e descansar. Como não sabia o que significava a tableta por cima de cada porta da casa de banho, escolhi uma ao calhas - foi a primeira vez que isto me aconteceu! Há meia hora chegou um casal e filhos, e a mulher entrou para a casa de banho ao lado da que eu fui, acertei!
Estes dois chamaram-me quando me viram a tirar-lhes fotos ao longe. Quiseram que lhes tirasse uma como deve ser! |
Este senhor deu-me água hoje de manhã. |
Amanhã devo chegar a Marraquexe, onde vou ficar perto de uma semana com uns amigos que vêm de Portugal. Já faz falta falar algum português, até falar já faz falta porque há dias em que não digo mais do que 10 ou 20 palavras. Estou também à espera de resposta de uns projetos de voluntariado a que me candidatei, seria bom poder participar em algum até ao final do mês!
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