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sábado, 2 de março de 2024

Já do outro lado.

 

        Acabei por ficar acampado a 20km do parque de campismo da noite anterior. Não queria ir para demasiado perto de Gibraltar e arriscar-me a não encontrar lugar onde ficar. Assim, como Castellar de la Frontera me pareceu um pueblo muito tranquilo, decidi-me a ficar por ali, numa zona de floresta perto de uma urbanização calma.

Quando estava a cozinhar, comecei a ouvir vozes e gargalhadas. Eram alguns rapazes que se encontravam ali para beber. Ainda tive algum receio que aparvalhassem comigo, mas nem sequer deram pela minha existência.




Cozinhei e comi quando ainda era dia, assim que veio a noite montei a tenda



Como tinha que estar às 10h em Gibraltar e encontrava-me a sensivelmente 20km de lá, teria de começar a pedalar pelas 7h para ter tempo de passar a fronteira tranquilamente. Por isso, assim que anoiteceu e montei a tenda, meti-me no saco-cama a ouvir música até adormecer.


Com passaporte português a entrada em Gibraltar é muito descomplicada. Esperei cerca de 5 minutos numa fila de trotinetes, scooters e bicicletas que me pareceram fazer aquele trajeto todos os dias, mostrei o passaporte duas vezes em dois postos de controle diferentes e já está!

A Rocha de Gibraltar é, sem dúvida alguma, imponente! Não tendo muito tempo não a pude visitar, mas noutra altura gostaria de lá voltar com mais calma. O pessoal da loja 14k Gibraltar foi bastante atencioso e ajudaram-me a regular a bicicleta e ainda me fizeram alguma manutenção da mesma. Ficaram surpreendidos com a minha aventura e disseram-me que há umas semanas passou por ali um francês que levava o cão num cesto na parte da frente da bicicleta!




De todos as fotos possíveis, esta foi a única que tirei em Gibraltar...


Saí de Gibraltar pelas 13h e a partir daí foi dar tudo para chegar a Tarifa antes das 17h, de forma a conseguir apanhar esse barco que me deixaria logo em Tangier Ville. Algeciras estava mais perto, mas do que vi não tinha conexão com Tangier Ville, apenas Tangier Med. que fica 20km da cidade. Apesar de muito calor e de grandes subidas, lá consegui chegar a Tarifa após 3 horas e 50km! Também não é complicado comprar o bilhete do ferry nem passar os controles de passaporte. Há vários postos de venda FSR (a companhia do ferry que escolhi) distribuídos por Tarifa, o preço foi de 40€ sem custo para a bicicleta. 





Quando esperava para subir a rampa que me levaria ao interior do barco, sentia que dava um outro passo nesta viagem. Que outro algo começava agora… ou que agora mesmo é que algo ia começar! Lembrava-me de Fez, na única vez que estivera em Marrocos, e em como tudo era diferente e me deslumbrava. Questionava-me como seria pedalar, acampar, aventurar-me por aquelas terras… surgia sempre aquela dúvida: “Será que serei capaz?”...


Enquanto acomodava a minha bicicleta no meio dos carros e das malas de viagem que se amontoavam na parte inferior do ferry, um senhor com um cajado de madeira ao ombro, onde na ponta pendia um saco cheio de algo - tal como (eu via) nos desenhos animados em pequeno - interrompeu-me



- I think you should be more rational… 



À primeira pensei que aquilo fosse um sinal do universo a dizer-me para não embarcar e não me meter nesta maluquice, mas depois percebi que o senhor apenas se referia ao peso da bicicleta e à quantidade de coisas que nela carregava e que a ele lhe pareciam desnecessárias. Talvez, se me esforçasse o suficiente, também eu conseguiria levar tudo num saco atado à ponta de um cajado!


Já na parte superior do ferry, tivemos de fazer uma fila e preencher um formulário com as nossas informações. Nada de complexo, apenas levou algum tempo e teve o custo adicional de aguentar com o baloiçar do barco devido às ondulações, que não eram poucas. Estava muito cansado quando chegou a minha vez e assim que me despachei pus o telemóvel a carregar e dormi durante parte da viagem.

Assim que pisei solo marroquino senti-me livre de tudo o que até então me preocupava. Soavam os chamamentos para a reza e estava bom tempo. Tive vontade de explorar tudo naquele momento! 

O primo de um amigo meu contactara-me pelo instagram dizendo que conhecia bem Tangier e que podia ficar em casa de uma senhora italiana que lá vive há muito tempo. Deu-me as indicações da casa dela e disse que só teria de mencionar que vinha da parte dele. Não sabia bem se isto ia funcionar - não é toda a gente que abre as portas de casa a alguém só porque vem da parte de um amigo, sem nenhum aviso prévio e sem querer qualquer pagamento - mas decidi tentar! Perguntei por ela e rapidamente me indicaram a sua porta. Depois de explicar a minha viagem e de como havia tomado conhecimento dela 


- Do que é que precisas? Quantas noites queres ficar?


Tinha um quarto livre onde poderia ficar, cama onde eu poderia dormir, duche que poderia usar. Mais tarde, perguntei-lhe porque fazia isto


            - Porque não? És amigo do meu amigo! Em vez de pagares aí por um sítio qualquer… porque                   não?

E é verdade… porque não somos todos mais assim? 


  Conversámos sobre Tangier e sobre tudo o que ela aprendera de Marrocos nos 20 anos em que aqui já vivera. Explicou-me como há muitos anos todo o porto onde atracara não existia, havendo apenas umas docas para barcos de pescadores. Contou-me que havia em tempos idos um grande navio que fazia a ligação entre Tangier e Nova Iorque - tendo assim muitos artistas americanos tomado contacto com Marrocos e em Tangier se inspirado para escrever as suas obras, pintar os seus quadros, compor as suas músicas. Deu-me algumas dicas e recomendações de sítios a visitar tanto na cidade como pelo meu caminho mas



            - Já não te dou mais! O resto tens de ser tu a explorar e a descobrir!


Fui comer a um restaurante recomendado por ela. Como era 6a feira e 6a feira é dia de couscous, foi isso que comi! Depois, andei pelas ruas sem destino algum, seguindo as luzes e apreciando a magia de toda a confusão: uma loja a vender crepes, de um lado a venderem azeitonas, do outro a venderem velharias. Nos entretantos, uma scooter a descer a rua sem se desviar de ninguém - porque toda a gente se desviava dela - rapazes de bicicleta e outros de patins, outros de patins agarrados aos que pedalam, as bancas que qualquer um monta numa esquina e vende o que tem, aqueles “bros” que perguntam se procuro por “something”, as passadeiras que são onde se quiser e a cor dos semáforos que pouco quer dizer… sentia falta disto!





Para referência, atualmente 10 dirhams = 0,92 euros 



Antes de voltar para “casa” e dormir, sentei-me numa esplanada de uma banca de sumos de fruta a beber uma caneca de laranja com banana. Só depois de a ter terminado é que me lembrei das recomendações do médico na consulta do viajante:


            - Não beber bebidas com gelo! - certamente que aquela também teria gelo ali triturado mas, até agora, passado um dia, não me fez mal. E hoje lá irei outra vez! 15 dirhams (1,5€) paguei pelo que em Portugal seriam facilmente uns 3 ou 4€, e eu tenho andado a comer pouca fruta, por isso assim será.




Tenho tentado pedir a comida e quaisquer indicações em francês. Em teoria, as pessoas aqui deveriam falar árabe marroquino (Darija) e francês, mas sempre que me dirijo a alguém em francês fazem-me uma cara estranha, como se tivesse criado uma nova língua… ou o meu francês é terrível, ou o deles também é…





Mercados em que se pode encontrar de tudo.


Hoje de manhã, saí pelas 10h e queria comprar um cartão SIM e levantar dinheiro marroquino, mas não tinha pressa. Deixei-me levar pelas ruas da cidade e pelos mercados que floresciam em todo o lado e vendiam tudo, de todo o lado. Peixe, carne, fruta, legumes, galinhas vivas e os seus ovos, sementes e especiarias,... Comprei um crepe de queijo e outro de chocolate por 10 dirhams e depois de ter eventualmente tratado dos assuntos que tinha a tratar, parei num pequeno restaurante onde uma senhora e a sua filha vendiam anchovas, sopa de lentilhas e fritada de beringela. Perguntei o que me recomendavam e em linguagem gestual lá nos fizemos entender. Estava delicioso! 





Sei que estou onde quero estar quando há minha volta não vejo nenhum europeu, e o que me está a agradar bastante nesta cidade é que não tenho sido interpelado em demasia como fora em Fez, talvez pela proximidade e pelo hábito e contacto com ocidentais que visitam tanto esta cidade a partir de Tarifa.


Amanhã já estou de volta na bicicleta. Vai ser difícil voltar a acampar depois de me ter sentido confortável num sítio e, principalmente, de ter dormido debaixo de um teto. Que sensação estranha, agora me dou conta que uma cama e um teto foram coisas que sempre tomara por garantidas. É certo que já fiz outras viagens deste estilo, mas sabendo sempre que a duração seria curta. Agora, este será o meu estilo de vida por um longo tempo e algo me diz que ainda tenho mais a aprender com ele…

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